Maria Simas já tinha passado a barreira dos 20 anos quando soube que a anemia e as dores constantes nos ossos de que padecia tinham um nome: doença de Gaucher, uma das cerca de sete mil doenças raras que se estima afetarem entre 600 e 800 mil portugueses e 320 milhões de pessoas a nível mundial.
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Aos 55 anos, Maria recorda esses dias, à espera de um diagnóstico, em que experimentava um certo sentimento de "solidão e incompreensão". A informação trouxe um novo misto de emoções: alívio, porque, "finalmente, sabia o que era" e "revolta por não ter sido diagnosticada mais cedo". No entanto, esse é um dos problemas com que muitos doentes se deparam.
O grupo das doenças de sobrecarga lisossomal, no qual se inclui a de Maria, até é "das raras mais comuns em Portugal", explica Luís Brito Avô, médico do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. É genética e não tem cura, mas há medicamentos que melhoram a qualidade de vida. E Maria Simas, que, na adolescência, pusera de lado o voleibol, não prescinde agora de andar de bicicleta nos Açores, onde reside. "Já não vivo com dor constante e não me sinto presa ao meu corpo", desabafa.
"A maior parte destas doenças, sobretudo as formas mais graves e as mais conhecidas, é diagnosticada ainda na pediatria, mas outras demoram mais tempo", explica Luís Brito Avô. Ainda há "pessoas por diagnosticar" e muitas doenças raras que "não têm tratamento", acrescenta o médico. Hoje assinala-se o Dia Mundial das Doenças Raras.
Melhorar apoios
São casos como o da Maria que levaram à constituição, em maio, da RD Portugal - União de Associações de Doenças Raras, explica o presidente Paulo Gonçalves, que quer dar "voz" aos doentes e unir associações.
Paulo Gonçalves bate-se por um Registo Nacional de Doenças Raras, que está na lei, porém, "na prática, não existe". Permitiria "saber onde estão as pessoas" e conseguir uma integração eficaz na rede europeia. Desta forma, exemplifica, as pessoas poderiam "participar em "ensaios clínicos".
Outra luta é pela eficiência do Cartão da Pessoa com Doença Rara, que está longe de chegar a todos. A RD quer que possa ser "pedido pelos doentes na plataforma do SNS" e não apenas pelos médicos e que o "processo administrativo seja simplificado". Estes cartões deveriam dar "prioridade" no acesso aos cuidados de saúde e estarem integrados num sistema "amplo", para que, em qualquer unidade, os profissionais de saúde percebessem as condicionantes de tratamento.
No próximo ano, a RD avançará com o "edifício digital" das doenças raras, apoiado em inteligência artificial, no qual investigadores ou particulares poderão encontrar informações sobre as doenças, instituições e serviços. Terá um espaço físico e uma plataforma online.