PSP e GNR registam, no total, 349 crimes de abandono animal até julho deste ano. Número real pode ser maior do que o reportado às autoridades.
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Desde o início do ano e até ao final do mês de julho, a PSP e a GNR dão conta de 349 crimes de abandono animal em território nacional: 152 e 197, respetivamente. O que significa que, em média, e correspondendo cada crime a um animal, dois foram abandonados por dia. Hoje, assinala-se o Dia Internacional do Animal Abandonado.
O valor real do problema pode ser maior: nem sempre é possível identificar o proprietário, especialmente se o animal não tiver um chip, o dono não for denunciado por terceiros ou apanhado em flagrante delito. Depois, há as ninhadas, que poderão aumentar a média de animais abandonados por dia.
"Os dados estão subvalorizados, porque o abandono é maior do que o formalmente identificado e que chega a ser denunciado como crime. É a ponta de um icebergue", diz Laurentina Pedroso, provedora do Animal, nomeada pelo Governo e empossada no passado mês de julho.
Os últimos números das autoridades mostram que houve uma redução do número de crimes de abandono animal em Portugal. Menos 56 situações foram identificadas pela GNR em 2020 face ao ano anterior. Já a PSP precisa que, enquanto de janeiro a julho de 2020 houve "176 situações de abandono", no mesmo período deste ano registaram-se "152 abandonos" de animais de companhia. Também na área dos maus-tratos a Polícia registou uma diminuição: 335 nos primeiros sete meses de 2020 contra 319 em 2021.
Mais chamadas
No terreno, as associações não apontam para uma realidade contrária das autoridades, mas reconhecem que há mais pedidos de ajuda para acolher/realojar animais de companhia. "O que temos verificado são chamadas de pessoas que se querem desfazer dos animais. Como as associações estão cheias, não sabemos o que vai acontecer a esses animais, se os vão abandonar ou não", diz Lurdes Lima, presidente da Associação Patudos Felizes.
Os motivos apontados pelos donos vão desde uma situação de emigração, a mudança de casa e até casos de vítimas de violência doméstica, que não podem levar os animais para os centros de acolhimento. A falta de condições económicas para tratar do animal é rara e, se acontecer, "tenta-se sempre ajudar", explica a dirigente.
A associação de Sintra tem atualmente um processo judicial contra um proprietário de duas cadelas, uma da raça labrador e uma pastora-alemã, que as abandonou e foi denunciado por terceiros.
As adoções subiram em alguns abrigos durante o primeiro ano da pandemia. Foi o caso do Cantinho do Tareco, na Maia, que só acolhe gatos. Mas há uma nova realidade a verificar-se: "Estamos a registar um aumento dos animais devolvidos", adianta Ângela Lima. Para a responsável, as razões não são plausíveis: alergias ou dificuldade de adaptação do animal depois de vários meses de adoção.
Por dia, a associação recebe cerca de dez pedidos para prestar auxílio a gatos na via pública. O comportamento afável da maioria dos animais mostra, segundo Ângela Lima, que já tiveram uma casa.
Casos
Ponte de Lima
Oito cães recém-nascidos foram encontrados anteontem num caixote do lixo. Os animais, sem qualquer ferimento, foram resgatados por militares da GNR e entregues para adoção no Canil Intermunicipal de Ponte de Lima.
Tomar
Um cão da raça pitbull-terrier foi recolhido e encaminhado, a 13 de agosto, através da Brigada de Proteção Ambiental da PSP, para o Canil Municipal de Tomar, por apresentar sinais de subnutrição.
Porto Covo
Dois cães, com sinais de desidratação, foram resgatados pela GNR a 12 de agosto de dentro de um automóvel ao sol, em Porto Covo, em Sines. As proprietárias foram constituídas arguidas pelo crime de maus-tratos a animais.
Vila Real de Santo António
Morreram 14 cães num abrigo ilegal, na localidade de Santa Rita, durante o fogo que começou em Castro Marim, no Algarve, na semana passada. O autarca de Vila Real de Santo António disse desconhecer a existência de um abrigo ilegal. O Governo abriu um inquérito.
Censo
Universidade de Aveiro vai fazer a contagem de errantes até 2023
A Universidade de Aveiro começa, no próximo mês, a realizar os Censos dos Animais Errantes em Portugal. O trabalho foi pedido pelo Ministério do Ambiente e da Ação Climática, que protocolou a tarefa com a Universidade de Aveiro (UA) e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, apontando como prazo de conclusão o ano de 2023.
Numa primeira fase, explica Nuno Negrões Soares, investigador no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar e docente no departamento de Biologia da UA, será feita uma recolha massiva de dados e tentar-se-á perceber o histórico dos animais sem dono recolhidos por todo o país. Para isso, o investigador que lidera o projeto planeia "juntar o maior número de associações zoófilas, que recolhem animais abandonados e fazem campanhas de esterilização, e municípios, que gerem centros de recolha oficiais", entre outras instituições, para "compilar toda a informação que já foi gerada e saber os animais que foram recolhidos".
Com base nestes dados, continua Nuno Negrões Soares, "serão selecionados locais para a realização de amostragens específicas", que visam "quantificar os animais que continuam soltos e daí extrapolar para o número no país inteiro".
"Vamos para a rua e, aplicando metodologias usadas para animais selvagens, fazer contagens e registos". Os investigadores repetirão o mesmo trajeto, registando os animais observados e os que são recontados, para terem "noção da abundância e densidade" dos animais errantes em alguns territórios.
O objetivo é tentar cobrir áreas representativas de todo o país, com diferentes níveis de abundância (não apenas onde se suspeita à partida que existam muitos) e com diferentes características (em ambiente urbano, periurbano e rural).
Em paralelo, está a ser criada uma aplicação para "convidar os cidadãos a colaborar". Deverá estar a funcionar no início do próximo ano e permitirá a quem avistar um animal errante "registar a localização e enviar uma fotografia".
Recolher opiniões
Para envolver mais a população e recolher opiniões, alargando o leque de discussão sobre o problema dos animais errantes e as intervenções consideradas necessárias, serão realizados inquéritos (perspetiva-se que sejam presenciais, online e através de aplicação).
Os resultados, que incluirão a compilação de toda esta informação e uma estimativa sobre a quantidade de animais errantes em Portugal, deverão estar prontos em "fevereiro de 2023", calcula Nuno Negrões Soares. Nos seguintes meses, até agosto, data final da entrega do trabalho ao ministério, os investigadores irão tentar aprofundar o "impacto que estes animais errantes possam ter", analisar a forma como outros países lidaram com a situação e apontar ações a desenvolver em Portugal.
O objetivo, sublinha o investigador, "é fazer os censos para poder intervir, para saber onde e como o fazer".
Por Zulay Costa
Entrevista a Laurentina Pedroso
Sistema é burocrático. Tem de ser fácil
O cargo é recente e Laurentina Pedroso, antiga bastonária da Ordem dos Médicos Veterinários, tem objetivos concretos para erradicar os problemas relacionados com a proteção animal, desde o abandono até à forma de atuação durante a ocorrência de catástrofes naturais, como os incêndios. Na semana passada, morreram mais 14 animais num abrigo ilegal, na localidade de Santa Rita, em Vila Real de Santo António, na sequência do fogo de Castro Marim.
O que é possível fazer para terminar com o problema do abandono animal?
Os dados dão uma ponta do icebergue. São graves, porque há muito abandono que não passa por um crivo e, os que passam, deveriam ter seguimento. Temos de agilizar a ajuda do cidadão comum perante a deteção de um caso de abandono. O sistema [de ajuda ao animal abandonado] é tão burocrático e tem de ser fácil. Temos de criar mecanismos para estimular a que as pessoas ajudem, mas que não fiquem com a responsabilidade por ajudar. Outra das principais formas de diminuir o abandono é a esterilização. Não podemos deixar que nasçam mais animais sem condições para os manter.
O que fazer relativamente às pessoas que abandonam animais por falta de condições económicas?
É fundamental criar um sistema nacional de saúde de animais em risco, que são os abandonados, que estão ao cuidado das câmaras, das associações, de particulares que os encontram ou que estão inseridos em famílias que não têm capacidades para os ajudar. O sistema não é direcionado à população em geral e deve basear-se em estruturas que não venham acrescer custos ao erário público. As estruturas que, na minha opinião, têm de avançar na linha da frente são as entidades de Ensino Superior, as faculdades de Medicina Veterinária e os cursos de Enfermagem Veterinária. Reúnem os recursos humanos e os materiais e foram financiadas pelo Estado.
Como comenta mais um incêndio em que morreram dezenas de animais num abrigo ilegal?
Uma das recomendações feita por mim ao sr. ministro [do Ambiente] foi termos meios de socorro imediatos ambulâncias veterinárias, clínicas veterinárias móveis e hospitais veterinários de campanha que rapidamente podem prestar auxílio num fogo. Durante o resto do ano, os meios devem ser usados para aumentar a esterilização e ajudar as câmaras , que não têm, muitas vezes, sequer um Centro de Recolha Oficial. Depois, tem de começar a haver maior responsabilização dos autarcas, porque começa a não ser aceitável ter mais uma ocorrência destas [fogo em abrigo ilegal] e não se saber o que se passa.