Dois Anos de Pandemia: maioria rosa abre caminho a nova lei de emergência sanitária
Medida estava no programa eleitoral do PS, que não precisa de outros partidos para aprovar diploma. Desde 2020, houve várias restrições ilegais.
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Portugueses e estrangeiros obrigados a cumprir quarentenas ilegais para entraram nos Açores e no Continente, turmas de alunos isoladas sem base legal para tal fora do estado de emergência, cidadãos multados ou detidos sem o poderem ter sido por furarem as regras que foram sendo implementadas para travar a covid-19.
Com a luta contra a pandemia a exigir restrições de direitos fundamentais como nunca em democracia, os tribunais foram, nos últimos dois anos e nem sempre de forma consensual, declarando ilegais normas excecionais cumpridas pela grande generalidade dos cidadãos. Os sucessivos estados de emergência - também eles inéditos - evitaram mais inconstitucionalidades, mas, já em maio passado, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu a criação de uma "lei específica sobre emergência sanitária".
Apesar de não ter o apoio de todos os partidos, a medida consta do programa eleitoral do PS e, por isso, é expectável que, dada a maioria absoluta alcançada pelos socialistas, venha mesmo a sair do papel.
No documento sufragado a 30 de janeiro, o partido liderado por António Costa propõe-se a "aprovar uma lei de emergência em saúde pública", a partir dos trabalhos já realizados por uma "comissão independente para o efeito".
O objetivo é que o diploma permita "qualificar e robustecer o enquadramento jurídico que sustenta as medidas de prevenção, controlo e mitigação decretadas pelas autoridades de saúde".
Na campanha eleitoral, o primeiro-ministro garantiu que aquela comissão - presidida por um ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar - já tinha elaborado um anteprojeto de lei. Porém, o documento não seguiu ainda para o Parlamento.
"Exige cautela"
O JN perguntou, há uma semana, ao grupo parlamentar do PS se a criação da lei de emergência sanitária será uma prioridade na próxima legislatura, mas não obteve, até à hora de fecho desta edição, qualquer resposta. Igualmente por conhecer estão os termos de um novo diploma.
Para a Iniciativa Liberal (IL), "um dispositivo legal como uma lei de emergência sanitária que permita uma melhor ponderação de direitos em conflito pode mostrar-se mais flexível" do que os estados de emergência - aos quais se opôs - "mas exige enorme cautela para que [...] não se atropelem de novo os direitos das pessoas". O "envolvimento da Assembleia da República em qualquer suspensão de direitos constitucionais" é, por isso, "crucial", a par do "adequado e atempado escrutínio de outras decisões" das autoridades de saúde.
O equilíbrio entre a necessidade de "responder de forma ágil e adequada a futuras pandemias" e a preservação das "liberdades consagradas na Constituição" é também destacada pelo Livre, que apela a que o processo não seja "apressado". Para a IL, o diploma nem sequer é "uma das prioridades".
Não é "necessária"
Já o PCP sustenta, em sentido inverso, que a resposta "necessária" a uma situação como a da pandemia não é, como está subjacente a uma eventual lei de emergência sanitária, restringir "mais facilmente" direitos, liberdades e garantias.
O Bloco de Esquerda também defende que não é necessário um novo diploma.
Já consensual é a ideia de que a aposta tem de passar, independentemente dos instrumentos legais, pelo Serviço Nacional de Saúde (ler caixa).
Os restantes partidos com representação parlamentar na próxima legislatura não responderam ao JN.
Oposição privilegia aposta no SNS
IL, PCP, BE e Livre são unânimes em considerar que, mais do que adaptar o quadro legislativo, a prioridade é a aposta no Serviço Nacional de Saúde (SNS). "A realidade demonstrou que o que é crucial para o combate à epidemia é o reforço da estrutura de saúde pública", afirma o PCP, frisando que tal passa, nomeadamente, pela contratação de trabalhadores". Já o BE frisa que, agora, "o essencial é recuperar a atividade do SNS". "Prioritária é a reforma estrutural do SNS, para que os portugueses não tenham de voltar a sofrer com o adiamento de milhões de consultas e exames", salienta, por seu lado, a IL. O Livre destaca a necessidade de corrigir o "subfinanciamento" do SNS.
Instrumentos
Emergência
O estado de emergência está previsto na Constituição e pode ser decretado, nomeadamente, em caso de calamidade pública. Permite a suspensão de direitos fundamentais e, até março de 2020, nunca tinha sido instaurado. Desde então, foi já renovado por várias vezes.
Calamidade
A situação de calamidade, prevista na Lei de Bases da Proteção Civil, foi declarada em períodos em que a pandemia desagravou. Mas tal nem sempre foi acompanhado de um desagravamento de medidas restritivas de direitos.
Juristas divididos
A cobertura legal dada pelos diferentes instrumentos tem sido, durante os últimos dois, objeto de debate entre juristas e nos tribunais.