De cidadãos a regressar ao país, ao "chef" Ljubomir Stanisic, passando por turmas inteiras de alunos, muitos foram apanhados pelas autoridades de saúde ou de polícia a infringir a lei... antes de os tribunais a considerarem contra a Constituição. Até o Ministério Público se perdeu entre tantos diplomas.
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Quarentena para viajantes ilegal
A polémica estalou primeiro nos Açores, onde o Governo Regional, logo em 2020, viu o Tribunal Constitucional declarar inconstitucional a quarentena obrigatória de 14 dias imposta a todos os que chegassem ao arquipélago. A medida acabaria revogada. Há um mês, a quarentena, no continente, para cidadãos provenientes de certos países foi também considerada inconstitucional. Na origem, esteve um cidadão luso-brasileiro que aterrou em Lisboa em maio último.
Turmas isoladas sem fundamento
O isolamento profilático, em maio do ano passado, de duas turmas do secundário de uma escola da Amadora, e, no mês seguinte, de uma turma de 11.º ano num estabelecimento de Torres Vedras levaram o Tribunal Constitucional a considerar que, sem o respaldo do estado de emergência, a medida foi inconstitucional. O país estava, na altura, em situação de calamidade e os juízes sustentaram que, ao contrário do que alegam alguns juristas, a Lei de Bases da Proteção Civil não permitia privar os cidadãos de liberdade naqueles casos.
Ventura safo por alteração à lei
Na semana passada, um procurador de Braga surpreendeu ao pedir que o líder do Chega, André Ventura, e outros dois dirigentes do partido não sejam julgados por desobediência, depois de terem organizado, no estado de emergência de janeiro de 2021, um jantar-comício em Braga, violando normas então em vigor. Porque o que era crime passou, dias depois, a mera contraordenação.
Escuta alertou para inexistência
Em 2020, o Ministério Público percebeu, numa escuta, que o "chef" Ljubomir Stanisic, residente em Lisboa, furara o confinamento para passar a Páscoa com a família em Grândola. Acusou-o de crime de desobediência, mas o caso nem chegou a julgamento. O tribunal decidiu, na instrução, que a violação não era crime e não permitia escutas.
Quase 1200 detidos por não cumprirem regras
Quase 1200 pessoas foram detidas pela PSP e pela GNR, nos últimos dois anos, por terem desrespeitado as normas para travar a propagação da covid-19. Em causa terá estado sobretudo o crime de desobediência, cuja moldura penal chegou a ser, no contexto da pandemia, agravada pelo Governo, para dissuadir potenciais infratores.
O ilícito, punido com pena de multa ou de prisão, gerou discórdia nos tribunais e, em dezembro de 2020, nove meses após as primeiras restrições, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, optou mesmo por incluí-lo num decreto de renovação do estado de emergência. Até hoje, não se sabe quantas das pessoas detidas acabaram por ser condenadas na Justiça.
De acordo com o Ministério da Administração Interna (MAI), entre 22 de março de 2020 - data em que começaram as restrições - e o último dia 24, foram detidas pela PSP e pela GNR 1171 pessoas. Destas, mostram balanços anteriores, 428 foram surpreendidas até 2 de maio de 2020, a maioria (26,2%) por ter sido apanhada na rua quando estava proibida de sair de casa, por estar infetada ou sob vigilância das autoridades de saúde. Outras foram, nos últimos dois anos, detidas por desobedecerem, por exemplo, a ordem das autoridades para não estarem em grupo na rua, regressar a casa ou pôr a máscara.
Quase 60 mil coimas
Até 24 de fevereiro deste ano, foram, segundo a tutela, igualmente instaurados pelas autoridades 59 640 autos de contraordenação, 2231 dos quais a companhias aéreas. No caso dos cidadãos, os dados que, ao longo dos meses, foram sendo divulgados pelo MAI mostram que o consumo de álcool na rua e a recusa em usar máscara nos transportes públicos e espaços fechados foram as principais infrações detetadas.
Já na aviação, as coimas estão relacionadas, nomeadamente, com o transporte de passageiros sem teste.