Ana Cardoso Santos, 74 anos, ainda se lembra de Lisboa, quando os carros circulavam na praça do Campo Pequeno. Já Rodolfo Franco, de 34, lamenta que a falta de casas a preços acessíveis tenha levado muita gente a viver fora da capital. São duas visões da cidade separadas por 40 anos.
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Nasceu em Vila Nova de Gaia, mas já fala de Lisboa, onde vive há três décadas, como se ali tivesse nascido. Pouco saudosista, Ana Cardoso Santos olha com otimismo para as principais transformações da cidade.
"Em 1991, os carros ainda circulavam na praça do Campo Pequeno. Nos últimos anos, vimos as praças a serem devolvidas às pessoas e os espaços a serem melhorados para acessibilidade pedonal. É uma diferença notável", exemplifica.
Daquele tempo recorda o glamour da Avenida de Roma, que tantas vezes percorreu a pé para o Instituto Nacional de Estatística, onde trabalhou. "Era muito próspera e de repente começou a desertificar-se com a invasão dos bancos que tiraram lugar ao comércio tradicional. Perderam-se muitas lojas", observa.
Saudades dos velhos cinemas
A moradora no Areeiro sente ainda falta dos cinemas King, Londres, Império e Quarteto, encerrados nos últimos anos, e da pastelaria Suíça.
"Tenho pena, a Suíça era um ex-líbris. Mas há outras que se mantêm, como a Confeitaria Nacional, a Versailles e a Mexicana, onde ainda vou lanchar com amigos", conta.
Enquanto se perdiam alguns espaços icónicos, ganhavam-se outros. "Desde que vim, a Baixa e a zona ribeirinha melhoraram imenso e a Expo 98 trouxe-nos o Parque das Nações", elogia. Mas ainda há muito a fazer.
"Hoje há hotéis para insetos, acho que é bizarro, depois não se vai à raiz dos problemas. O meu marido está em cadeira de rodas há quatro anos e vejo-me aflita porque não há praticamente rampas de acesso", conclui.
Das pastelarias para os quiosques
Rodolfo Franco, tal como Ana, também chegou a frequentar o cinema Londres, mas com outra finalidade. "Gostava de ir almoçar ao bar do cinema, era um local tranquilo para estudar. Ver filmes não era tão comum, pois a sala era pequena", explica.
Já a pastelaria Mexicana não lhe diz muito. Prefere os quiosques instalados em vários jardins da cidade. "Apanhar sol a beber café é das melhores coisas que há", partilha. O sítio predileto é o jardim da Fundação Gulbenkian. "Conseguimos abstrair-nos que estamos numa grande cidade, não ouvimos o som do trânsito nem pessoas".
Desloca-se sobretudo a pé ou de bicicleta, mas reconhece que é um privilégio de quem vive no centro da cidade. "Se num dia quiser ir ao cinema, a um museu e a Belém depois, consigo fazer tudo facilmente sem carro", diz o morador no Areeiro que, tal como Ana fazia, também vai a pé para o trabalho. Rodolfo elogia ainda o crescimento da rede dos transportes públicos, mas repara que estes não servem quem saiu do centro de Lisboa por falta de casas a preços acessíveis.
"O aumento do preço da habitação tem um grande impacto na mobilidade das pessoas. Têm de vir de carro ou mudar de transporte três vezes". A reabilitação da frente ribeirinha é uma das intervenções que destaca. "A zona entre o Cais das Colunas e a Ribeira das Naus era um estaleiro de obras e agora é uma área verde muito agradável. Foi das melhores coisas que aconteceu assim como a reabilitação do Parque do Vale da Montanha", remata