Em dez anos, a Jerónimo Martins nunca pagou e acumula dívida de 27 milhões. Grupo diz que taxa é inconstitucional e fez queixa a Bruxelas.
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A taxa de segurança alimentar mais (TSAM), cobrada a grandes retalhistas e criada há precisamente dez anos pelo Governo de Passos Coelho, já rendeu 73 milhões de euros ao Estado. O valor podia já ser superior a 100 milhões de euros, contudo, o grupo Jerónimo Martins, detentor do Pingo Doce, Recheio e Hussel, tem recusado a cobrança e nunca efetuou qualquer pagamento. O grande retalhista português, liderado por Pedro Soares dos Santos, argumenta que a taxa é inconstitucional e, em 2019, apresentou uma queixa na Comissão Europeia, que está ainda em apreciação. O grupo Sonae MC tem pago a taxa, embora também discorde da cobrança e tenha apresentado impugnações anuais na Justiça.
Apesar de reconhecer que o Tribunal Constitucional (TC) já se pronunciou a favor da constitucionalidade da taxa, criada pelo Decreto-Lei n.º º119/2012, de 15 de junho, o grupo Jerónimo Martins impugna-a, apresentando "sistematicamente recurso, o qual tem efeito suspensivo, pelo que não é possível a aplicação de coima", garantiu, ao JN, fonte oficial do Ministério da Agricultura.
A aplicação daquela taxa não foi bem recebida junto do setor do retalho, havendo outros grupos que, "apesar de impugnarem, procedem ao pagamento da taxa", revelou o ministério. "À exceção do Grupo Jerónimo Martins, não se registam falhas de pagamento significativas", sublinhou.
Sonae também é contra
O grupo detentor dos supermercados Pingo Doce, confirma, em resposta enviada por escrito ao JN, que "as referidas liquidações têm vindo a ser impugnadas judicialmente, por se entender que são indevidas", e está certo de que "o diploma legal que criou a TSAM se encontra ferido de inconstitucionalidade, pese embora decisões em contrário do Tribunal Constitucional". A par da impugnação, apresentada semestralmente (a liquidação é semestral), que continuará a ocorrer até serem "apreciados todos os argumentos" invocados no "sentido da ilegalidade", o grupo remeteu, também, uma queixa à Comissão Europeia. Isto, porque entende que a cobrança daquela taxa representa "um auxílio ilegal do Estado".
Dez anos passados da criação da taxa de segurança alimentar mais, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) reclama ao Pingo Doce, Recheio e Hussel as quantias de 24 milhões e 3 milhões de euros e 50 mil euros, respetivamente. No total, o grupo tem cerca de 27 milhões em dívida, o equivalente a 5,83% do lucro total de 2021: 463 milhões de euros.
Contactado pelo JN, o grupo Sonae, que detém mais de trezentos estabelecimentos em Portugal, nomeadamente o Continente, garantiu que tem pago a taxa, embora seja contra a mesma e também recorra à Justiça.
Sem mencionar as razões que o levam a avançar com impugnações, fonte oficial confirmou que "as sociedades participadas pela Sonae MC têm procedido ao pagamento da taxa de segurança alimentar mais". No entanto, "à semelhança de anos anteriores, têm impugnado a mesma junto dos tribunais, em defesa dos seus direitos, nomeadamente por se discordar da natureza e razão de ser desta taxa". O valor da taxa é de sete euros por metro quadrado do estabelecimento comercial.
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507 lojas pelo país
segundo o site da Jerónimo Martins, referindo-se a dados de dezembro 2021. O grupo tem mais de 4 mil lojas no Mundo e ocupa o 25.º lugar, entre os 50 retalhistas mundiais, segundo a Federação Nacional de Retalho americana.
585 847 metros quadrados
é a área de venda das lojas Pingo Doce. No total, o grupo tem mais de três milhões de metros quadrados de área de venda por todo o mundo. Tem 3250 lojas na Polónia, 819 na Colômbia e 507 em Portugal.
Explicador
O que é a TSAM?
Criada em 2012 pela então ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas, a taxa de segurança alimentar mais (TSAM) é um imposto sobre o comércio de alimentos calculado em função da área de venda dos estabelecimentos. A taxa assenta no "conceito de responsabilidade partilhada" entre os operadores económicos e o Estado, lê-se no decreto-lei que a regula. Em dez anos, o valor nunca foi alterado: é de sete euros por metro quadrado (m2).
Para que serve esta taxa?
A TSAM integra o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar, dirigido pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), e insere-se no cumprimento das normas europeias em matéria de qualidade alimentar, proteção animal e vegetal e segurança da cadeira alimentar. O seu pagamento serve para suportar os custos inerentes à manutenção da segurança e qualidade alimentar.
A quem é cobrada?
A taxa é cobrada pela DGAV, como garantia de segurança e qualidade, aos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados. O valor é fixado anualmente, entre os cinco e oito euros. Estão isentos os estabelecimentos com área de venda inferior a 2000 m2.
Quem gere o fundo?
Compete ao responsável da DGAV gerir o fundo e elaborar um relatório anual de atividades. Compete à ASAE fiscalizar o pagamento e aos seus serviços desconcentrados instruir processos por infração. A decisão de aplicação de coimas compete ao responsável da DGAV.