De carro, comboio, metro ou autocarro, deixar para trás solo gaiense em direção à margem norte do rio Douro transforma-se, não raras vezes, em missão demorada ou incómoda. E até impossível, em algumas ocasiões, já que "os comboios, às vezes, nem vêm", testemunha ao JN Bruno Ramos, enquanto aguarda, na estação de Valadares, pela composição que há de levá-lo até Gaia, onde está a aprender a conduzir.
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"Estou a tirar a carta de condução e, depois, vou desligar-me dos transportes públicos. Quero ver se os largo; não há nada melhor do que ter transporte próprio", avalia o empregado de armazém, que já perdeu a conta aos atrasos que soma no emprego e na escola de condução, por falhas nos horários das linhas. "Os comboios são um pesadelo: vêm atrasados e, às vezes, nem vêm", critica Bruno, que prefere sempre o metro quando se desloca para o Porto. "Comparando com a CP, a Metro está muito à frente. Vou de comboio desde Valadares até [à estação de] General Torres e depois apanho o metro. Durante o fim de semana, não costuma andar muito cheio; só à semana é que vem quase lotado, à hora de ponta."
"Comboio lotado"
Bruno Ramos segue no mesmo comboio que Luana e João, que se apeiam em General Torres para aí entrarem no metro rumo à Invicta. Fazem a via sacra todos os dias, de Valadares, onde vivem, até Matosinhos, onde estudam. "Em vez de irmos diretamente pela ponte da Arrábida, com transportes públicos a única maneira é ir até ao centro do Porto e fazer transbordo na Trindade. É uma hora de viagem; demora muito", lamenta Luana Fernandes, que, tal como o namorado, João Costa, frequenta a Escola Superior de Artes e Design, na Senhora da Hora.
"Demoramos 15 minutos de carro e, quando está trânsito, demoramos meia hora. Ou seja, é preferível estar no trânsito do que ir de transportes públicos", compara Luana, que não deposita grande esperança na linha Rubi do metro, que ligará a Arrábida ao centro do Porto. "Para quem mora em Valadares, acho que não vai dar jeito, porque dá uma volta maior pelo lado de Gaia", justifica.
Além do excessivo tempo de percurso, o casal de Valadares queixa-se ainda das condições da viagem. "Das 8 às 10 horas, com quase toda a gente a ir para o trabalho, o comboio vai lotado. Já aconteceu não dar para entrar. Mas, às vezes, o comboio nem sequer aparece de manhã", diz João.
Da linha de Aveiro avista-se o metro que cruza a Ponte Luís I, por onde passa a composição que, de 15 em 15 dias, leva Sara Soares até ao Porto, onde vai até à estação Carolina Michaëlis, perto da casa onde faz serviço doméstico quinzenalmente. Percorrer o trajeto de autocarro está fora de questão: "Dá uma volta grande, é uma hora de caminho mais meia hora de espera; mais vale ir de metro, que é mais rápido. São cerca de 15 minutos".
Sara, que entrara na estação João de Deus, na Avenida da República, e tem o metro como meio de transporte de eleição, conta que o companheiro já não tem a mesma sorte. Trabalha na Invicta, para onde se desloca diariamente de automóvel. "Tem de sair às seis e tal, sete horas, para chegar às oito ao Porto. Na Ponte da Arrábida empanca sempre."
A estudar na Escola Secundária Almeida Garrett, Ana Cardoso e Jéssica Rocha concordam com Sara, e dizem que "autocarros são para evitar o mais possível". O dia em que o JN acompanhou parte da viagem das colegas de turma foi, porém, exceção, e ambas seguiram com amigos no autocarro 903, da STCP, que desagua na Boavista. Mas distinguem: "de metro é muito mais rápido, e mesmo quando vamos em pé há muito mais espaço".
"Em termos de autocarros, está horrível. Não passam a horas e vão cheios.´ Às vezes, as pessoas que vão trabalhar não conseguem entrar. Alguns, quando vão cheios, nem param. A STCP é a única [empresa rodoviária] que ainda cumpre horários", atalha Jéssica, enquanto Ana argumenta que "o metro é melhor, e tem mais ligações".
"mais confortável"
Utilizadoras do autocarro, Maria Martins e Maria Serafim também não poupam elogios ao metro. "Funciona muito bem, e foi das melhores coisas que Gaia conseguiu. Mas foi pena não ter sido há mais anos, ou já estaria mais alargado para outras zonas", pressupõe Maria Martins, certa de que, "um dia, irá até às praias".
Sentada numa paragem de autocarro da Avenida da República, Maria Martins espera, tal como a outra Maria, o 903 que seguirá em direção ao Porto. Diz não ter razões de queixa do serviço da STCP, "porque há muitos autocarros". Mas reforça a observação de outros utentes de transportes públicos: "Em Gaia, esperamos meia hora, três quartos de hora, por uma camioneta. Basta haver um acidente e já não passa nada".
Para Maria Serafim, a nova ponte para o metro, que servirá a linha Rubi, "vai trazer vantagens". A deslocar-se para o Porto "com alguma regularidade, para consultas e compras", esta gaiense nota que a nova linha "vai fazer muita diferença e dar mais jeito".
"Agora, tenho de ir de autocarro quando quero apanhar o metro. Mas prefiro andar de metro do que de autocarro. É mais confortável, mais rápido e cumpre horários. Consegue-se programar melhor o dia. E leva mais gente e não polui tanto. Tem muitas vantagens", elenca Maria Serafim.
Mais cético, António Ribeiro vaticina que "a nova ponte do metro é uma questão que vai demorar uma década, porque é cultural". Taxista no Porto desde 2013, acredita que "daqui a 20 anos vai haver muito menos gente a andar de carro", mas, até lá, terá de haver uma "mudança de mentalidade", defende.
"Pode fazer-se mais pontes, mas cada vez os carros são mais baratos e as pessoas têm mais capacidade para comprá-los. É uma questão de cultura. O que demora mais tempo, é mais caro e causa mais stress é claramente o carro, mas é o mais confortável...", sustenta António Ribeiro, avançando esta explicação para o número crescente de automóveis com que se cruza na estrada.