Em seis anos, só foram eliminadas 43 e continuam a existir 834. Mortes continuam a subir. Governo prevê suprimir 254 até 2030.
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O programa de supressão e reclassificação de passagens de nível levado a cabo pela Refer e, depois da extinção desta, pela Infraestruturas de Portugal (IP), apenas eliminou 43 passagens de nível entre 2013 e 2019, o último ano de que há registo. Nos seis anos anteriores, tinham sido 420, quase dez vezes mais.
A informação consta do relatório sobre o ecossistema ferroviário português, da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), que conclui que em 2006 existiam 1297 passagens de nível em Portugal. Destas, 420 foram eliminadas até 2012, mas apenas 43 foram suprimidas de 2013 a 2019. A AMT regista que o programa tem avançado a "um ritmo menos pronunciado a partir de 2012". Os últimos números disponíveis indicam que existem 834 passagens de nível em Portugal (cerca de 33 por cada 100 quilómetros de linha), das quais 55% têm proteção.
Os acidentes em passagens de nível são a segunda principal categoria em ferrovia (ver texto em baixo). No Relatório Anual de Segurança Ferroviária, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) pede mais fulgor ao programa: "Os valores obtidos no ano 2019 para o parâmetro em análise reforçam a necessidade de acelerar o referido programa, pois esta categoria de acidentes continua a ser uma das que causa mais fatalidades". No relatório, o IMT diz ainda que é preciso "intensificar a política de prevenção destes acidentes, quer através da redução de passagens de nível, quer de campanhas de sensibilização e educação para os seus utilizadores".
novo plano
Ao JN, fonte oficial da IP informou que "tem em curso o plano de ação em segurança de atravessamento em passagens de nível", nomeadamente através do Ferrovia 2020. Entre outros objetivos, este plano "visa eliminar, sempre que possível, as passagens de nível existentes nos troços que estão a ser alvo de intervenções". Uma vez que o plano ainda está em curso, e tendo em conta que a supressão das passagens de nível apenas ocorre na parte final das empreitadas, o Governo prevê a eliminação de um total de 254 até ao final da década.
Quanto à necessidade de intensificar a sensibilização preventiva, a IP responde que "vai lançar uma campanha em setembro com o objetivo de criar consciencialização para os perigos inerentes às passagens de nível".
O último ano e meio não foi pródigo em campanhas de sensibilização da IP porque "foi registada uma forte diminuição dos acidentes ferroviários" devido aos registos atípicos de mobilidade causados pela pandemia.
Já o IMT informa que tem estado a trabalhar na revisão do regulamento de passagens de nível, sendo que um dos objetivos é "incrementar as condições de segurança".
A versão preliminar do novo regulamento será enviada para consulta das partes interessadas "ainda este ano", garante o IMT.
ÚLTIMA DÉCADA COM 219 MORTES
Em 2019, últimos dados divulgados, registaram-se 32 vítimas mortais.
O ano de 2019 foi o mais trágico da última década no que toca a acidentes graves e vítimas mortais nas infraestruturas ferroviárias. Entre 2010 e 2019, morreram 219 pessoas na ferrovia portuguesa, com o último ano em particular destaque a registar 32 vítimas mortais, como demonstra o Relatório Anual de Segurança Ferroviária do IMT. Ao todo, na mesma década, houve 381 acidentes com feridos graves ou vítimas mortais, 51 dos quais em 2019.
Os acidentes com pessoas causados por material circulante em movimento, com a exceção de suicídios e passagens de nível (PN), representam cerca de 60% do total de sinistros graves na ferrovia. A seguir vêm os acidentes em passagens de nível, com 25%, sendo que o pior ano foi o de 2019.
"O número de acidentes em PN registou um aumento substancial em 2019 quando comparado com o ano de 2018, tendo-se registado mesmo o valor mais alto dos últimos dez anos", pode ler-se no relatório. Em sentido inverso, os acidentes que ocorrem devido à atividade intrínseca do caminho de ferro (colisões, descarrilamentos e outros) "representam apenas uma pequena parcela do total (9,8%)", lê-se ainda.
O IMT categorizou as vítimas mortais e concluiu que, em todos os anos da década, a categoria de "pessoas não autorizadas" foi a que mais mortes registou, seguida de "utilizadores de passagem de nível", "trabalhadores" e, por fim, "passageiros".
Excluídas dos indicadores de performance de segurança do sistema ferroviário, mas ainda assim significativas em número, estão as vítimas mortais decorrentes de suicídios na ferrovia. Na última década houve uma média de 43,4 mortes por ano, com o pior registo a situar-se em 2012, que contabilizou 58 vítimas mortais deste tipo. Em 2019, foram 40.
O IMT considera que os suicídios "provocam enormes perturbações". Com 434 mortes por suicídio na última década e 219 vítimas por acidentes, constata-se que dois terços das mortes na ferrovia são suicídios.