ALS Controlvet desiste de protocolo em que prometia seis meses de análises gratuitas. Centro Hospitalar Tondela-Viseu conforma-se e faz ajuste direto. Diz que não tinha proposta melhor.
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O Centro Hospitalar Tondela-Viseu (CHTV) e a ALS Controlvet celebraram, em 23 de março, um protocolo em que esta sociedade anónima se comprometeu a realizar testes de despistagem do novo coronavírus, durante seis meses, a título gratuito.
Mas, menos de três meses depois, o CHTV adjudicou à mesma empresa de Tondela, por ajuste direto, um contrato para realização dos testes, válido por 90 dias e pelo valor de 472 500 euros, mais IVA. A empresa nega que tenha usado a oferta como expediente para obter o contrato e por causa da pandemia estão suspensas as limitações à realização de contratos com doadores.
Quando a pandemia apareceu, o centro hospitalar não tinha capacidade laboratorial para testar o SARS-CoV-2, limitando-se a colher as amostras biológicas dos pacientes. Estas eram analisadas no Hospital da Guarda, mas o diretor-geral da Controlvet, João Cotta, diz que o CHTV tinha de esperar "cinco a seis dias" pelos resultados e foi pedir ajuda ao seu laboratório, ligado à segurança alimentar.
O centro hospitalar, presidido por Cílio Correia, e a Controlvet firmaram um "protocolo para a realização de testes laboratoriais", que seria válido por seis meses, "renovável por iguais e sucessivos períodos", e excluía o "pagamento de qualquer quantia". Ao CHTV cabia fazer colheitas, levá-las para a Controlvet e fornecer os reagentes.
Pré-aviso tardio
Segundo o artigo 7º do protocolo, este podia cessar a todo o tempo, se respeitado "um prazo de pré-aviso de 90 dias". Todavia, segundo as explicações de João Cotta ao JN, só esteve em vigor dois meses e apenas no fim destes foi feito aquele pré-aviso. "Desde o dia 30 de março até ao início de junho, a ALS prestou estes serviços gratuitamente", diz o gestor, acrescentando que fez uma média de cem testes por dia até que, "no final de maio, comunicou ao Hospital de Viseu [unidade e sede do CHTV] que não tinha condições de continuar a colaborar gratuitamente".
"Encontrando-se a situação pandémica mais estável e tendo a ALS Controlvet considerado não lhe ser favorável manter o protocolo, ambas as partes decidiram o seu término", conta o CHTV, já sob a presidência de Nuno Duarte (este era vogal executivo de Cílio Correia e substituiu-o, em julho, por decisão do Ministério da Saúde), sobre o que parece ter sido uma revogação por mútuo acordo
Mas, porque a necessidade de realizar testes se mantinha, "o CHTV decidiu avançar com um procedimento contratual" e, "obedecendo às regras da contratação pública", consultou três empresas: ALS Controlvet, Germano de Sousa e Unilabs. Fonte oficial do CHTV conta que a primeira ganhou o ajuste direto porque tinha "a proposta economicamente mais vantajosa". Segundo o contrato, de 18 de junho, a Controlvet cobraria 35 euros por teste, podendo fazer até 150 por dia, ao longo de três meses, no máximo de 472 500 euros.
Cotta refuta expediente
O Código dos Contratos Públicos determina, no capítulo dos ajustes diretos, que não podem ser convidadas a apresentar propostas entidades que tenham prestado serviços à entidade adjudicante a título gratuito, no ano económico em curso ou nos dois anteriores. Só que tal limitação não se aplica a procedimentos abrangidos pelo regime excecional de contratação aprovado para o contexto da pandemia (decreto-lei 10-A/2020).
Ainda assim, o JN perguntou a João Cotta se o protocolo tinha sido um expediente para a Controlvet ganhar vantagem no contrato. "A resposta é não, não tivemos qualquer vantagem nem nada foi premeditado para a termos", responde Cotta, sublinhando que, além de apresentar resultados dos testes em seis horas, cobra 35 euros, o que é cerca de 40% dos 87,95 euros que o Serviço Nacional de Saúde paga aos laboratórios privados convencionados.
Valor sem colheitas
Este valor, superior ao praticado noutros países europeus, foi convencionado quando a oferta de testes era muito inferior à procura e, em breve, deverá ser reduzido pelo Ministério da Saúde, sabe o JN. Além disso, ao contrário dos convencionados, a Controlvet não faz colheita de amostras. Estas são colhidas pelo CHTV, que também as transporta para o laboratório de Tondela. João Cotta desvaloriza os custos, falando em valores inferiores a dez euros.
Obra de 250 mil euros permitirá testes no hospital em outubro
Cinco meses depois de a pandemia ter posto o país em estado de emergência, o Centro Hospitalar Tondela-Viseu (CHTV) continua sem capacidade laboratorial para realizar os testes de despistagem do vírus SARS-CoV-2.
Mas, questionado pelo JN, o CHTV diz que "decidiu proceder à capacitação do seu laboratório", através de uma obra que, estima, deve estar pronta no "início do próximo mês de outubro".
Está em causa um investimento de 250 mil euros que, diz ainda fonte oficial, "vai permitir ter uma área totalmente dedicada à biologia molecular, onde poderão ser feitas análises a diversas doenças infecciosas, como a covid-19".
Secretário de Estado suspeito de meter cunha pela Controlvet
João Paulo Rebelo, secretário de Estado do Desporto e da Juventude e membro do Governo responsável por coordenar o ataque à covid-19 na região Centro, foi sócio de João Cotta, diretor-geral da ALS Controlvet, numa empresa proprietária do Jornal do Centro. E é suspeito de ter metido uma cunha, junto da Comunidade Intermunicipal (CIM) Viseu Dão Lafões, para que o seu ex-sócio, que foi vice-presidente da Assembleia Municipal de Viseu em nome do PSD, conseguisse um contrato comercial para realização de testes do novo coronavírus.
A história foi contada pelo JN, em 3 de maio, sendo que, dias depois, o secretário de Estado confirmou que tinha sugerido a empresa de João Cotta, acrescentando que também falara de outras empresas concorrentes. "Não deixa de me causar uma enorme estupefação que se possa pensar que tive algum interesse próprio nesta associação que não fosse o de que - também na CIM Viseu Dão Lafões - se pudesse dar uma resposta eficaz a um problema que afligia, e aflige, todo o país", escreveu João Paulo Rebelo.
Estado financia projeto para produzir kits de testes
No final de julho, a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, visitou a ALS Controlvet, para assinalar a inauguração de um laboratório que, alegadamente, vai produzir oito mil kits, por dia, de testes de despistagem do novo coronavírus. "Através dos programas operacionais regionais, já aprovámos cerca de 200 milhões de euros para projetos de empresas e de ciência na ajuda ao combate da covid. Esta é uma das empresas que conseguiram fazer o projeto de investimento em dois meses", enalteceu a ministra, que, segundo a TSF, terá dito ainda que o investimento da Controlvet foi de quase dois milhões de euros e teve comparticipação pública a 95%.
Na ocasião, o diretor-geral da Controlvet, João Cotta, apresentou o projeto: "Vamos produzir os componentes dos "kits" de deteção do coronavírus, vamos montar os "kits" de proteção e também realizaremos a testagem, portanto, temos o ciclo completo e, na Europa, existem apenas duas empresas e nós somos a terceira", disse, com outra promessa: "Não voltaremos a ter os problemas do passado, de escassez ou de falta de produto, em que temos de comprar a preços muito elevados [...]. Com um turno, no pior cenário, mais conservador e de menor eficiência, em oito horas produzimos oito mil testes".