"Os médicos ainda são muito donos e senhores dos blocos de partos", alertou esta sexta-feira, ao JN, o coordenador da região sul do Sindepor - Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal, Luís Mós. Razão pela qual prevê "alguma dificuldade em operacionalizar" a orientação da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a intervenção dos profissionais de enfermagem nos partos, que acolhe com satisfação.
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"Os enfermeiros especialistas fazerem partos normais é uma solução que sempre defendemos e acolhemos com agrado. Nada a opor. Desta forma, libertamos os médicos para tratarem de outras necessidades, como urgências ou cesarianas", reagiu, ao JN, o dirigente do Sindepor.
"Até vamos mais longe, considerando que esta é uma boa medida para diminuir ou mesmo evitar os encerramentos de blocos de partos a que infelizmente temos assistido", prosseguiu Luís Mós, considerando ainda que estamos perante "um passo muito importante para o reconhecimento da autonomia dos enfermeiros especialistas de saúde materna e obstetrícia".
"Prevejo, no entanto, alguma dificuldade em operacionalizar esta solução porque os médicos ainda são muito donos e senhores dos blocos de partos. Haverá, com toda a probabilidade, resistência por parte das equipas médicas. A dificuldade, como referi, será colocar esta medida em prática, tendo em conta a previsível resistência da classe médica", sublinhou o também especialista de saúde materna e obstetrícia.
Autonomia e equipas multidisciplinares
Luís Mós tem insistido no reconhecimento da autonomia dos enfermeiros especialistas, destacando igualmente que a sua inclusão nas equipas multidisciplinares que assistem à grávida "é fundamental", desde logo para resolver a falta de assistência na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.
"A assistência à mulher grávida pressupõe cuidados multidisciplinares, à semelhança do que se verifica no Reino Unido e em Espanha", refere Luís Mós. E, segundo estes "bons exemplos", os enfermeiros especialistas de saúde materna e obstetrícia "possuem no descritivo funcional a capacidade de vigiar todas as gravidezes de baixo risco, assistir as mulheres grávidas no trabalho de parto, bem como decidir a alta domiciliar e posterior vigilância".
O coordenador do Sindepor na região Sul considera essencial englobar este grupo profissional, no qual se inclui, "de uma forma mais completa, rentabilizando todos os recursos profissionais existentes com competência na prestação de cuidados nesta área, desde os cuidados de saúde primários aos hospitalares".
Crê também que deve ser reconhecida a estes enfermeiros "a sua autonomia de forma a poderem ser uma maior mais-valia na assistência durante a gravidez e puerpério". Por isso, a inclusão nas equipas multidisciplinares "é fundamental para proporcionar melhores 'outcomes' em saúde".
47% dos nascimentos em 2020
Do mesmo modo, Luís Mós considera importante haver "uma reflexão sobre a restruturação das equipas multidisciplinares que dão assistência nas urgências de obstetrícia e ginecologia, adaptando e canalizando as equipas médicas aos cuidados mais diferenciados".
Ao JN, sublinhou que, em Portugal, "os partos eutócicos (normais) são, em grande medida, realizados por enfermeiros especialistas de saúde materna e obstetrícia". Citando dados da Pordata, referentes a 2020, diz que estes profissionais representaram cerca de 47% de todos os nascimentos, com 39 478 para um número global de 83 831.