Cumprindo distanciamento, o nível de vacinação pode permitir desobrigação.
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O contexto era económico. Falava-se de projeções de crescimento e de investimento. Quando António Costa revela que, "com a aceleração do processo de vacinação, podemos olhar para o final deste verão e encarar o final deste verão como podendo atingir esse momento importantíssimo para a confiança e para a libertação total da sociedade, que é a imunidade de grupo". Libertação em que sentido: só o primeiro-ministro saberá. Especialistas ouvidos pelo JN são favoráveis ao fim da imposição do uso de máscara no exterior, mas desde que garantindo o distanciamento. Seguirá Portugal os passos dos congéneres europeus? A resposta caberá ao Governo, que ouve dia 27 os peritos no Infarmed para decidir como será este agosto.
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No seu discurso, terça-feira, no Centro Cultural de Belém, o primeiro-ministro não quantificou, também, a imunidade de grupo. Até à data, aliás, ninguém o arriscou. Se, no início, se falava de 60% a 70% da população com vacinação completa, a variante delta alterou todos os cálculos. Cerca de 140% mais transmissível do que a original, a variante indiana atira a imunidade de grupo para cima dos 85% de população imunizada. O que obrigaria a vacinar crianças, estando a Direção-Geral de Saúde, neste momento, a analisar a imunização nos maiores de 12 anos.
E a libertação da sociedade depende também do nível de imunidade. "Supondo que o primeiro-ministro quer dizer que vamos ter 60% a 70% da população completa", o virologista Pedro Simas defende um "desconfinamento gradual em agosto".
Com o fim da obrigatoriedade, mantendo a recomendação do "uso de máscara na via pública, exceto em grandes eventos em que o distanciamento social" não está garantido. Tanto mais que, vinca o investigador do Instituto de Medicina Molecular, Portugal e a Europa vivem hoje "a pandemia dos não vacinados". Com o vírus a tornar-se endémico na população imunizada, "semelhante a outros vírus já existentes". Por outro lado, defende, o uso de máscara "interrompeu o ciclo das infeções respiratórias naturais". Sendo que é a "circulação dos vírus sazonais que mantém a imunidade de grupo".
Assegurar o outono
Mais cautelosa, a pneumologista Raquel Duarte, que tem assessorado o Governo no combate à pandemia, admite também o fim da obrigatoriedade do uso de máscara na via pública. "Não me parece totalmente errado, uma vez que o risco é menor se se cumprirem as medidas de distanciamento". Como aconteceu no verão passado. Já em espaços fechados, é perentória: "Sempre".
Cautelosa, porque, se hoje assistimos "a uma desaceleração do crescimento" da incidência, a verdade é que, frisa, "a doença, mesmo que, na forma ligeira, tem sequelas a longo prazo". Depois, porque, no seu entender, "estamos ainda longe da imunidade de grupo de 80% a 85%, com grande transmissão na comunidade".
A vacinação "está associada a menor letalidade". Sabendo-se, ainda, que apenas 0,1% das pessoas com vacinação completa contraíram a doença. "Mas estamos ainda longe de uma situação de grande abertura, não podendo pôr o risco o outono/inverno".
Por que razão? "Porque se permitirmos a transmissão no verão com a abertura, vamos criar reservatórios que podem acelerar a transmissão no início do outono". Defendendo, por isso, uma "estratégia mista: vacinação e medidas comportamentais, como o distanciamento e o uso de máscara, sobretudo em ambientes fechados".
Recorde-se que, desde 28 de outubro, o uso de máscara na via pública é obrigatório. No início de junho, o Parlamento renovou, pela terceira vez, a sua imposição transitória até meados de setembro.