A comissão independente criada pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, para averiguar alegados casos de assédio na instituição, apresenta um relatório esta quarta-feira, 13 de março. O grupo é composto por cinco personalidades de diferentes áreas.
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O que é a comissão independente do CES e porque foi criada?
A comissão independente reúne um conjunto de especialistas de várias áreas para averiguar e esclarecer alegados casos de assédio sexual e moral no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. A comissão iniciou funções a 1 de agosto do ano passado, depois de várias mulheres terem acusado publicamente, em abril, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos e o investigador Bruno Sena Martins de comportamentos sexuais inapropriados.
Tudo começou com a publicação do capítulo "As Paredes Falaram Quando Mais Ninguém o Faria", integrado no livro "Má Conduta Sexual na Academia" da editora Routledge, onde três mulheres investigadoras - na altura, não identificadas - denunciaram que havia membros do CES que usavam do seu poder para situações de assédio sexual, mas também de assédio moral.
Através das características descritas na obra, foi possível perceber que os dois homens acusados eram Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins, que também se reconheceram no conteúdo, apesar de negarem as acusações que lhes eram imputadas. As autoras foram, mais tarde, identificadas: a portuguesa Catarina Laranjeiro, a belga Lieselotte Viaene e a norte-americana Miye Tom.
Depois da obra da Routledge, mais mulheres fizeram publicamente denúncias contra Boaventura de Sousa Santos, nomeadamente a deputada brasileira Bella Gonçalves, a ativista argentina Moira Millán e um coletivo representado pela advogada brasileira Daniela Felix. Todas as denunciantes trabalharam, em algum momento, no CES.
A comissão independente foi criada pela direção do CES e o relatório de averiguações é apresentado esta quarta-feira, 13 de março, às 17.30 horas, em Coimbra.
Quem compõe a comissão independente?
A comissão independente do CES para averiguar eventuais casos de assédio sexual e moral é constituída por pessoas sem qualquer ligação à instituição, aos suspeitos ou às alegadas vítimas. São elas a psicóloga Catarina Isabel Reis Neves, a professora Cristina Ayoub Riche, o antigo Provedor do Estudante Jorge António Ribeiro Pereira, a advogada Maria Eduarda Proença de Carvalho e a professora Michaela Antonín Malaníková.
O grupo analisou as denúncias tornadas públicas, as recebidas por meios institucionais do CES, mas também as enviadas para a plataforma FaceUp (especializada em receber queixas de forma segura) e para um endereço de email criado pela comissão independente.
As informações foram armazenadas em servidores independentes, isto é, externos ao CES. A comissão independente pôde, caso assim o entendesse, realizar audições presenciais ou virtuais com as partes interessadas.
A ativista argentina Moira Millán, uma das mulheres que acusou publicamente Boaventura de Sousa Santos, disse ao JN ter sido convocada para falar com a comissão independente através da plataforma de videoconferência Zoom.
O anonimato dos testemunhos depende da vontade expressa das pessoas ouvidas, que a comissão independente garante, no site do CES, que será respeitado, mesmo após a comunicação dos resultados a 13 de março.
O que vai resultar do trabalho da comissão independente?
Apesar de não se conhecer, neste momento, o teor do relatório da comissão independente do CES, já se sabe que o grupo irá elaborar recomendações para prevenir e sensibilizar os membros da instituição sobre situações de assédio sexual e moral. Essas medidas serão depois analisadas pela direção do CES.
As denúncias consideradas pela comissão independente para este relatório foram as recebidas até 30 de setembro do ano passado. Os resultados das averiguações deviam ter sido conhecidos no final de 2023. No entanto a complexidade da documentação motivou um adiamento do prazo da apresentação, justificou a direção do CES.
Um coletivo de mulheres, representadas pela advogada brasileira Daniela Felix, discordou em carta aberta do formato da apresentação do relatório da comissão independente, uma vez que as alegadas vítimas saberão das conclusões ao mesmo tempo que o público geral.
É possível ler o livro que desencadeou a polémica?
Não. A editora Routledge, que publicou a obra "Má Conduta Sexual na Academia", diz ter recebido várias ameaças legais, incluindo de "um importante escritório de advocacia do Reino Unido", que representa um dos acusados no capítulo escrito pelas investigadoras Catarina Laranjeiro, Lieselotte Viaene e Miye Tom.
O livro não está disponível para venda, uma vez que a editora diz, no seu site, estar numa "posição difícil de defender alegações específicas contra pessoas", que antes não estavam identificadas.
Uma investigadora coordenadora do CES terá advertido a editora para retirar o capítulo "As Paredes Falaram Quando Mais Ninguém o Faria". No texto das três autoras, Maria Paula Meneses era identificada como a "watch woman", a sentinela em português, onde era acusada de ignorar as alegadas ações de assédio praticadas pelos dois homens.
A Routledge aponta que irá discutir, "num momento apropriado", com os responsáveis da obra sobre o que fazer com o "resto do livro", o que excluirá, à partida, o capítulo que se refere ao CES. O título continuará indisponível até o processo legal estar concluído, acrescenta a editora.