Carlos Calhaz Jorge, presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, defende uma estrutura individualizada e mais investimento nesta área.
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O novo presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (PMA) defende a autonomização do Banco Público de Gâmetas e mais investimento nos centros públicos. Fala no “direito a constituir família e a ter apoio nas doenças”, porque “a infertilidade é uma doença”, sem desistir da gestação de substituição, legalmente prevista.
Sabendo que a PMA não resolve o problema, mas num país com a natalidade em quebra, faz sentido que ainda nenhum Governo tenha olhado para a PMA a sério? E que mulheres que querem ser mães não o sejam porque não têm recursos financeiros para recorrer ao privado?
De facto, não faz sentido. É evidente que o contributo das técnicas de PMA é pequeno, mas é positivo em relação à natalidade. Em 2023, a proporção de crianças nascidas resultantes destas técnicas era de 4,4%.
Duplicando numa década.
Quando começámos com os registos andava de facto à volta de 2,2%. Não significa que haja muito mais crianças a nascer destas técnicas, o que há é um decréscimo da natalidade de quem não é infértil. Para lá da dimensão populacional, que pode ser motivadora para os políticos e decisores, há aqui um problema de respeito por princípios e valores muito cruciais e fundamentais: o direito a constituir família e ter apoio a doenças; e a infertilidade é uma doença. Durante dezenas de anos o foco e os investimentos foram na área da contraceção, porque era preciso que as pessoas só tivessem as crianças que queriam, o que é mais do que legítimo.
Mas descurou-se o outro lado.
Sim. Falta mudar o paradigma ou adicionar no conceito de construir família o apoio àqueles que querem ter crianças e não conseguem.
A anterior presidente do CNPMA, a que agora sucede depois de ser vice-presidente, considerava uma “aberração” os tempos de espera para tratamento com gâmetas doados – quatro anos para masculinos e três anos e meio para femininos. O cenário mantém-se ou agravou-se?
Mantém-se e não houve nenhum tipo de melhoria. Se para gâmetas próprios há muitos centros onde os casais até terem consulta e depois chegarem à fase de tratamento são muitos meses, ou até mais de um ano, o que já não é aceitável, para quem precisa de gâmetas doados no SNS o panorama é absolutamente deprimente e inconsequente em termos de eficácia. Daí propormos, há muito tempo, que seja criado um banco que seja uma estrutura individualizada em que as pessoas estejam 100% focadas nesse problema.
Na pandemia passou a estar previsto o recurso a gâmetas dos privados, que até os exportam. Por que razão nunca avançou?
Não tenho resposta e no CNPMA não sabemos literalmente nada porque isso está fora do nosso âmbito. Corresponde a decisões do Ministério da Saúde e das suas estruturas.
Os centros já não têm capacidade de resposta?
Varia. No Centro Hospitalar de São João houve um investimento suplementar e a capacidade de resposta aparentemente aumentou. Mas os outros centros do país atingiram o máximo de capacidade de resposta com as condições que têm. Só investimento em espaços, equipamentos e recurso humanos permitirá que aumentem a sua capacidade de resposta.
A gestação de substituição está por regulamentar há três anos. Foram criadas expectativas, analisados processos. Não há vontade política?
Há que tomar decisões, seguramente. É um terreno muito sensível, com implicações psicossociais muito complexas e as pessoas que têm trabalhado nisso não têm conseguido encontrar um equilíbrio. O último Governo PS trabalhou bastante no assunto, mas as implicações que encontrou eram de tal monta que acabou por ficar a meio caminho. O último Governo, tanto quanto eu saiba, não chegou tão-pouco a pensar ou a tomar decisões nessa área. O que é muito frustrante para uma população que, não sendo muito numerosa, nos merece todo o respeito: de pessoas doentes que têm legalmente acesso a uma metodologia terapêutica, mas, na prática, não podem concretizar. Nem é um problema de intenções, mas de legislação que não é aplicada.