Estimativas do Eurostat apontam para retrocesso de 0,8 anos em 2020, para os 81,1 anos. Impacto no cálculo das reformas pode originar uma corrida às pensões antecipadas
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Era um dado adquirido, faltando apenas perceber-se a magnitude. As estimativas agora lançadas pelo Eurostat apontam para que a esperança de vida em Portugal tenha recuado 0,8 anos (cerca de dez meses), em 2020, para os 81,1 anos. É o maior retrocesso de sempre em democracia. Já a esperança de vida aos 65 anos, tida para cálculo de acesso à reforma, recuou 0,7 anos (mais de oito meses), para os 19,9 anos. Pondo a Previdência sob pressão.
É preciso recuar a 1973 para registarmos uma regressão desta dimensão. Naquele ano, a esperança de vida à nascença recuou 0,8 anos, para os 67,6 anos. Já a esperança de vida aos 65 anos iguala a quebra registada em 1969: menos 0,7 anos, à data nos 12,7 anos.
Tida como indicador de desenvolvimento de um país, a quebra agora estimada, sendo expectável, não deixa de chocar. "O recuo da esperança média de vida é crítico, porque é um dos avanços enquanto civilização. A democracia trouxe melhorias super significativas nas condições de vida das populações. E, por isso, este choque que levamos, ao ver que houve um ano que estragou isso tudo", considera a demógrafa Maria João Valente Rosa.
Um ano marcado por uma pandemia que deixou um rasto de mortalidade sem paralelo num passado recente. Mas também de sobremortalidade colateral, isto é, de óbitos em excesso por outras causas que não a covid-19. No ano passado, das 12 852 mortes em excesso, 52% foram por covid.
Com variações no contexto europeu. No período em análise, apenas a Noruega, Dinamarca e Finlândia viram aquele indicador subir. No extremo oposto, Espanha, que em 2019 era o país europeu com a maior esperança de vida, perdeu uns históricos 1,6 anos (ver infografia).
O retrocesso tem impacto direto no cálculo das reformas. No caso português, António Costa já havia sinalizado uma descida da idade da reforma em 2023. Certezas, mesmo, diz Maria João Valente Rosa, apenas quando for conhecido o valor do Instituto Nacional de Estatística para 2019-2021, que serve de referência ao cálculo. Refira-se, a este propósito, que os dados do Eurostat, apurados ao ano, divergem dos nacionais, calculados por triénio.
Penalizações
Mais do que o impacto na idade da reforma, o economista Jorge Bravo antevê uma maior procura por pensões antecipadas. "As pessoas podem ser empurradas, pela atual situação económica, a pedir antecipadamente a idade da reforma". Recuando a esperança de vida, explica a demógrafa, "as penalizações vão baixar e é muito natural que haja uma corrida às reformas antecipadas". Pondo em cima da mesa a sustentabilidade da Segurança Social.
"Se o sistema estivesse bem desenhado e calibrado, estes ajustamentos não teriam efeitos na sustentabilidade a longo prazo. Mas não está desenhado assim", sublinha Jorge Bravo, especialista em pensões. Por outro lado, frisa a professora da Nova de Lisboa, "desde 2010 que a população ativa está a diminuir e o desemprego vai aumentar significativamente, afetando o número de contribuintes". Apesar da quebra na esperança de vida, o envelhecimento prosseguirá o seu trajeto.
Tudo somado, o rácio de 1,4 contribuintes por cada pensão "vai agravar-se", alerta o economista. "É uma excelente oportunidade para repensar todo o sistema, que já nada tem a ver com a sociedade atual", frisa Maria João Valente Rosa.
Cálculo ao triénio
O Instituto Nacional de Estatística calcula, desde 2007, a esperança de vida por triénio, que serve de cálculo às pensões. Pelo que, explica Maria João Valente Rosa, o impacto de 2020 poderá ser diluído na série 2019-2021 e não assumir a grandeza do apurado pelo Eurostat para o ano passado.
Anos de vida perdidos
No ano passado, Portugal, num conjunto de oito países europeus, foi aquele que mais anos de vida perdeu por mortes precoces. Sendo também dos que registaram mais anos de vida perdidos por outras causas que não a covid, de acordo com um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública .