Esquerda queria lucros extra mais taxados, Direita teme que medida seja "eterna"
A proposta do Governo para taxar os lucros extraordinários na energia e na distribuição alimentar foi, esta terça-feira, criticada pelos partidos no Parlamento, da Esquerda à Direita. PCP, BE e Livre, tal como o PAN, queriam que a banca também estivesse incluída; já PSD, Chega e IL afirmaram que a medida conduz ao "empobrecimento", com os sociais-democratas a falarem num comportamento "vampiresco" e a alertarem para o risco de esta solução temporária se tornar "eterna". O Executivo prevê arrecadar entre 50 e 100 milhões de euros com a taxa.
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O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, considerou ser "de elementar justiça" que empresas que possam estar a lucrar com os efeitos da guerra e da inflação contribuam para o país "na justa medida" dos seus lucros.
"Todos devemos ser chamados a contribuir para o bem comum e para o bem-estar social", frisou. A proposta do Governo foi aprovada por PS, BE, Livre e PAN, com as abstenções de PSD e PCP e os votos contra de Chega e IL.
O Governo, recorde-se, sugere uma taxa temporária de 33% aplicável a empresas da energia e da distribuição que tenham aumentado os seus lucros em 20%. O cálculo é feito a partir dos ganhos médios dos últimos quatro anos.
Contudo, a Direita criticou os moldes da proposta e as motivações do Executivo. Duarte Pacheco, do PSD, fez um dos reparos mais incisivos, ao afirmar que a criação da taxa "está na senda do comportamento vampiresco, que suga impostos tal como um vampiro suga sangue". A intervenção motivou alguns protestos da bancada socialista.
Pacheco avisou também que "não há nenhuma garantia" de que esta nova contribuição "vá ser temporária". Minutos antes, já Alexandre Simões, seu colega de partido, tinha frisado que algumas taxas extraordinárias - sobre os setores energético, bancário, farmacêutico ou outros - ainda se mantêm em vigor. O parlamentar defendeu que o resultado prático desta nova medida será engrossar a "carga fiscal" e, com ela, aprofundar o "empobrecimento" do país.
"Perseguição" aos privados
Para Rui Afonso, do Chega, a taxação dos lucros extraordinários serve apenas para "engordar a máquina do Estado". André Ventura quis saber se os apoios atribuídos às empresas durante a pandemia irão contar para o cálculo do lucro tributável, afirmando que a proposta do Governo "vergou" Portugal à União Europeia.
O líder do Chega defendeu ainda que, em lugar de taxar empresas, o Executivo deveria obrigá-las a "canalizar o lucro" para a descida do preço pago pelos consumidores. Esta observação levou Bernardo Blanco, da IL, a referir que o discurso de Ventura é "o oposto" do que o Chega defende na proposta que apresentou. Além do Governo e do Chega, também PCP, PAN e Livre entregaram diplomas sobre lucros excessivos.
Carla Castro, da IL, lamentou que o Executivo "continue a sobrecarregar as empresas" com taxas. A deputada entende que o Governo quis "ir para além da Europa" com a proposta que apresentou, cobrando "impostos de país rico a um país pobre e sem rumo".
A candidata à liderança dos liberais acusou ainda o Estado de obrigar as empresas a pagar mais enquanto ele próprio "arrecada [taxas e impostos] mas não devolve". "Quando se abre a porta à perseguição da iniciativa privada e empresarial, fecha-se a porta ao investimento e ao crescimento", argumentou.
"Comissão Europeia ultrapassou Governo pela Esquerda"
Mariana Mortágua, do BE, lembrou os tempos em que o primeiro-ministro recusava taxar os lucros extraordinários. A bloquista ironizou que, ao sugerir a taxa em causa, "a Comissão Europeia ultrapassou o Governo pela Esquerda".
Mortágua quis também saber o motivo de a proposta do Governo não abranger a banca, apesar dos "lucros astronómicos" desse setor. Foi em resposta à bloquista que o secretário de Estado revelou que a receita prevista com a taxa é de "entre 50 a 100 milhões de euros", informação que levou Mariana Mortágua a considerar o diploma do Executivo "um tiro de pólvora seca".
Duarte Alves, do PCP, acusou os grandes grupos económicos de se "aproveitarem da crise para especular nos preços". Mencionou exemplos como os 900 milhões de euros que a Galp quer distribuir aos acionistas, os mais de 500 milhões de lucros da EDP até setembro - "o melhor registo em cinco anos" - ou o facto de os ganhos do Novo Banco em 2022 terem sido quase o triplo do ano passado.
O parlamentar comunista considerou que a proposta do Governo é "curta", por excluir a banca, os seguros ou, "inexplicavelmente", as elétricas. Criticou o limite de 20% e frisou que o "conjunto de borlas fiscais" aprovadas por PS e PSD acabarão por compensar as empresas agora taxadas.
Inês Sousa Real, do PAN, alertou para eventuais "manobras de maquilhagem financeira" de algumas empresas, que poderão levar a que o lucro de referência para taxação seja mais baixo do que deveria. Rui Tavares, do Livre, lamentou que as propostas tenham sido discutidas "à pressa".
Tanto PAN como Livre lamentaram, à semelhança do que já tinha sido feito por PCP e BE, que o diploma do Executivo não se estenda à banca. O Livre sugeriu que a taxa abarcasse ainda o setor do armamento, um gesto "simbólico" em altura de guerra na Europa.
Hugo Costa, do PS, defendeu não ser "moralmente aceitável" que os grandes lucros subam enquanto as faturas da energia "disparam". O deputado salientou a importância da criação de uma taxa "excepcional e temporária" para lucros "que não teriam acontecido se o mercado tivesse tido o seu comportamento previsível".