Desde 2019 que empresas têm de enviar lista atualizada aos municípios todos os anos. Proprietários admitem pedir a Marcelo que recorra à "fiscalização preventiva".
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Desde 2006 que o Estado sabe quantas casas devolutas existem em Portugal, quando "aprovou a definição do conceito fiscal de prédio devoluto" e incentivou as empresas de telecomunicações, gás, água e eletricidade a identificar junto dos municípios quais as casas desocupadas. Em 2019, e para cobrar um IMI agravado aos proprietários com habitações devolutas em zonas de pressão urbanística, o Governo decretou o envio "obrigatório" pelas empresas das casas sem contratos ou com consumos mínimos.
O primeiro-ministro considera que, dada a atual falta de habitação, "não é legítimo ter as casas vazias". Pelo que quer avançar com o arrendamento de casas devolutas, para depois as subarrendar a famílias. Se os proprietários não as disponibilizarem de forma voluntária, avança o "arrendamento obrigatório", uma das medidas mais polémicas deste pacote.
Segundo a Lei de Bases da Habitação, publicada em setembro de 2019, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias já "têm o dever de incentivar o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada, em especial nas zonas de maior pressão urbanística". Mas Costa admite que os municípios têm "pouca capacidade financeira" para o fazer.
Nuno Vaz, autarca de Chaves e presidente do Conselho Regional do Norte, confirma que os "municípios têm a informação relativamente aos imóveis devolutos", que deve ser enviada pelas empresas de telecomunicações, por lei, até 1 de outubro de cada ano.
O primeiro-ministro disse, na quinta-feira à noite, em entrevista à TVI, saber quais são as casas devolutas "das zonas urbanas que estão pressionadas". Outras são "de zonas do interior e estão desertificadas", afirmou. O Instituto Nacional de Estatística estima haver mais de 723 mil casas vazias, algumas disponíveis para venda ou arrendamento, outras sem perspetiva de ser ocupadas.
Semelhante a expropriação
A possibilidade do arrendamento coercivo não está a agradar aos proprietários. Caso a medida avance e seja aprovada no Parlamento, o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários admite pedir a Marcelo Rebelo de Sousa que envie o diploma ao Tribunal Constitucional para "fiscalização preventiva". "Estamos muito convencidos da inconstitucionalidade", aponta Menezes Leitão.
O constitucionalista Paulo Otero explica que a Constituição prevê que "os meios de produção ao abandono possam ser objeto de arrendamento compulsivo". As habitações não estão incluídas. Caso contrário, seria "semelhante a uma expropriação", refere.
Já o constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos diz que o "direito de propriedade, como todos os direitos fundamentais, não é absoluto". Tiago Mendonça de Castro, sócio na Abreu Advogados e especialista em direito imobiliário, duvida da aplicação de um "arrendamento coercivo em massa".
Marcelo: "Só se sabe se o melão é bom depois de o abrir"
O presidente da República recorreu à gíria popular para comentar as medidas: "Só se sabe se o melão é bom depois de se o abrir". Ou seja, traduz Marcelo Rebelo de Sousa, é preciso "olhar para as leis e ver o que cada uma delas diz", nomeadamente "quanto custa para o Estado, quantas famílias cada uma delas abrange, quais os efeitos e quanto tempo demora".
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Hotelaria preocupada
A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal manifestou "grande preocupação" com as medidas anunciadas pelo Governo, sobretudo no alojamento local.
Arquitetos têm dúvidas
A Ordem dos Arquitectos vai solicitar uma audiência à ministra da Habitação, com caráter de urgência, para a discussão e esclarecimento das medidas. Vai também apelar à convocação do Conselho Nacional de Habitação.
Definição de devoluta
Pela lei, são devolutas as casas que, de forma continuada e injustificada, não estejam habitadas. Excetuam-se segundas casas, de emigrantes e de deslocados por razões laborais ou de saúde, em obras ou com ações judiciais pendentes.