O Ministério da Saúde não acompanhou as recomendações de entidades que tutela para baixar os preços dos testes de diagnóstico à covid-19, lesando o Estado em 153,4 milhões de euros. Só o atraso de cinco meses na entrada em vigor de um despacho originou uma despesa adicional de 48,3 milhões, revela o Tribunal de Contas.
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O relatório do Tribunal de Contas, divulgado esta quinta-feira, faz uma auditoria à testagem e rastreio de contactos no âmbito da resposta à pandemia covid-19 por parte do Ministério da Saúde.
Os juízes concluem que "o processo de formação dos preços dos testes de diagnóstico da covid-19, comparticipados pelo SNS", tanto para os testes de amplificação de ácidos nucleicos (TAAN), que ficaram mais conhecidos por testes PCR, como para os testes rápidos de antigénio (TRAg), "nem sempre teve subjacente uma adequada fundamentação do respetivo valor, resultando num acréscimo da despesa pública associada à testagem estimado em 153,4 milhões de euros".
O preço compreensivo dos testes TAAN pago pelo SNS aos prestadores convencionados sofreu cinco atualizações entre março de 2020 e março de 2022, começando em 87,95 euros e terminando em 30 euros por teste.
Antes de cada revisão, a tutela recebia propostas da Administração Central do Sistema de Saúde, tendo por base informações do INSA, dos hospitais e também a comparação com preços aplicados noutros países.
Porém, salienta o Tribunal de Contas, "as sucessivas atualizações do preço compreensivo dos testes TAAN por parte do Ministério da Saúde não acompanharam, em montante ou em tempo, as propostas técnicas de revisão em baixa que lhe foram sendo apresentadas".
No caso dos testes TAAN ou PCR "o impacto estimado na despesa decorrente das dilações ocorridas na atualizações dos preços e da não adoção dos preços propostos foi de 97 milhões de euros".
Nos testes TRAg, conhecidos por testes rápidos, também de verificou "um desvio entre o preço decorrente do custeio apurado pelo INSA e aqueles que viriam a ser os preços fixados pela Tutela, daqui resultando um impacto estimado de 56,4 milhões de euros na despesa do SNS com a comparticipação destes testes", conclui a auditoria.
O relatório apresenta exemplos que demonstram a demora na revisão dos preços e o respetivo impacto na despesa.
Risco de convencionados suspenderem testes, justifica Jamila Madeira
Através de um despacho que entrou em vigor em 26 de março de 2020, o preço dos testes TAAN foi fixado em 87,95 euros. Três meses depois, a ACSS propôs a revisão para 69,06 euros (menos 21%), mas, não obstante a "insistência" da ACSS que chegou a fazer uma proposta de revisão em baixa para os 50,1 euros, o preço foi mantido por mais três meses, sendo fixado em 65 euros a 26 de setembro daquele ano.
Chamada a explicar porque manteve o preço inicial, fixado em março, até setembro, a ex-secretária de Estado Adjunta e da Saúde, Jamila Madeira, referiu "a necessidade de articulação com as associações das entidades do setor convencionado, a dificuldade na consensualização acerca do preço a adotar, pese embora a argumentação apresentada pelas referidas associações carecesse de fundamentação técnica, e o risco muito significativo, então sinalizado ao decisor público, de que muitos prestadores suspendessem a
convenção com o SNS para a realização do teste TAAN".
A governante, que saiu do Governo a 17 de setembro de 2020, argumentou também que as referências internacionais que lhe foram apresentadas pelo INSA e ACSS e também pelo Infarmed eram "muito díspares de preços praticados nos vários países" e que durante os meses de verão houve várias oscilações de preços que justificaram a necessidade de "continuar o trabalho para afinar o mesmo em reuniões com as instituições de saúde".
Estes últimos argumentos não foram acolhidos pelos juízes.
Portugal pagou por teste quase o dobro do preço da Bélgica
Relativamente ao cenário internacional, o relatório refere que, em junho de 2020, o valor dos testes TAAN praticado em Portugal (87,95 euros) era o mais elevado de um conjunto de países analisados. A Bélgica tinha o preço mais baixo (46,81 euros). França pagava 54 euros, a Alemanha 59 euros e a Grécia 75,83 euros.
Outro exemplo que afetou a despesa do SNS resultou da não produção de efeitos imediatos de um despacho do então secretário de Estado da Saúde, que fixou o preço dos testes TAAN em 30 euros, em novembro de 2021, face ao preço de 45 euros que estava anteriormente em vigor. O despacho só entrou em vigor em março de 2022 "originando um adicional de despesa estimada de cerca de 48,3 milhões de euros, em face dos 3,3 milhões de testes realizados naquele período", refere o Tribunal de Contas.