Inflação e retirada de casas para alugar fazem desesperar universitários. "Se antes pediam 200 euros de renda, agora pedem 400", lamentam.
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À imagem do arranque de outros anos letivos, também 2022/23 está a ser uma dor de cabeça para universitários e encarregados de educação. Desta vez, agravado pelas dificuldades na habitação. A oferta no imobiliário diminuiu e o valor das rendas inflacionou-se. Os proprietários das casas estão mais virados para o turismo e o alojamento local. Quanto aos preços, quem procura alojamento fala em "valores exorbitantes". Do Norte ao Sul.
Bruna Ribeiro, aluna do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP), em São Mamede de Infesta, Matosinhos, diz que "duplicaram" de um ano para o outro.
Só na primeira fase, garantiram acesso ao Ensino Superior cerca de 50 mil alunos no país. Um número expressivo, é certo, mas os obstáculos de cariz habitacional não permitem pintar o cenário de cor-de-rosa. "Os estudantes estão colocados, mas desalojados", comenta Gabriela Cabilhas, presidente da Federação Académica do Porto.
A subida dos preços é mais sentida no Porto e em Lisboa. Mas alastra-se às outras cidades com tradição académica, como Coimbra, Braga e Aveiro (ver textos ao lado). A retirada de casas para arrendar, por decisão dos senhorios, e o aumento da comunidade estudantil dificultam, para quem procura, o vislumbre de uma luz ao fundo do túnel.
"Não há oferta" que chegue
Para os bolseiros, a Universidade do Porto apenas dispõe de 1100 camas. O Governo anunciou investimentos a nível nacional, tirando partido do Plano de Recuperação e Resiliência, mas há obras a fazer e que vão demorar o seu tempo.
"Muitos estudantes vivem num quarto com seis camas para pagarem 250 euros, o valor mais baixo, e às vezes não conseguem entrar logo. Para entrada imediata há quartos a 400 euros. É o mercado a explorar o nosso desespero", desabafa Afonso Garcia, bolseiro e universitário em Lisboa.
Em Braga, no dia das colocações "foi um caos", diz o agente imobiliário Luís Moreira. "Só em três dias devo ter atendido mais de 250 chamadas", relata, adiantando que o preço médio de um quarto com "boas condições" ronda os 275 euros, sem despesas incluídas. Os T1 podem chegar aos 600 euros. "Há pessoas dispostas a pagar, mas não há oferta", confere.
Pela plataforma "Student", do Observatório Estudantil, arrendar um quarto em Lisboa custa, em média, 381 euros, numa escala que varia entre 246 euros, no mínimo, e 595, no máximo. No Porto, pela mesma plataforma, o valor médio aparecia fixado em 324 euros, balizado entre os 195 (mínimo) e os 609 euros (máximo).
Críticas ao estado
Bruna Ribeiro, a estudar Comércio Internacional no ISCAP, confessa ter demorado "vários dias" até encontrar habitação. No seu caso, a bolsa proporciona-lhe uma comparticipação no mercado de arrendamento privado. Mas tem que apresentar um comprovativo e "os senhorios não queriam passar recibo". A busca tornou-se, por isso, ainda mais amarga. Por fim, lá conseguiu fechar um contrato, por 260 euros, sem despesas extra.
Os colegas, igualmente do ISCAP, queixam-se que nos imóveis próximos deste estabelecimento de ensino, nas redondezas do Hospital de São João, os preços subiram em flecha. "Se antes os proprietários pediam 200 euros, agora pedem entre 350 e 400 euros. Tudo aumentou", protestam.
Gabriel Valente, da Torreira, Murtosa, e recém-entrado no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), junta-se ao coro de lamentos. É mais um a sublinhar ter sido "muito difícil" arranjar quarto. A pesquisa foi morosa. "Pediam entre 400 e 500 euros", afirma, ladeado pela mãe, Elisa. A solução foi dividir um T1 com um colega. Pagam 300 euros cada.
Congregar esforços foi também a opção de três universitários de Ponte de Lima que se mudaram para o Porto. "Os preços são exorbitantes. O Estado devia apoiar mais, alargando o leque para os bolseiros [calculado em função do rendimento do agregado familiar]", observa Natália Martins, mãe de João Martins, estudante de Mecânica, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). O trio beneficiou da ajuda de um conterrâneo limiano com casa na Invicta e só assim foram bem sucedidos. Cada um fica a pagar 300 euros. As despesas com luz, água e Internet são à parte. Foi o melhor que conseguiram. "E foi assim porque mexemo-nos cedo, logo no começo de agosto", assinalam os familiares.
abrir os cordões à bolsa
Mas há quem tenha disponibilidade para abrir os cordões à bolsa, como é o caso da brasileira Talita Saramago, estreante em Engenharia Civil, na FEUP, que escolheu a Livensa, uma residência com pequenos luxos, como ginásio e piscina. Despende 660 euros por mês, mais taxa de limpeza e outras mordomias, se for essa a opção. "Para já será por um semestre. Depois veremos", assinala a tia, Adriana Costa, reconhecendo que o esforço financeiro é grande. Este mercado específico, das residências privadas, mostra prosperidade. Apesar da quantia ser alta, Talita adianta que um amigo também procurou alojamento na Livensa, mas foi-lhe dito que "já não existiam vagas".
Investimento
375 milhões de euros
é o investimento anunciado pelo Governo para dotar o mercado de mais camas para os alunos universitários nos próximos anos. Haverá novas camas e outras serão renovadas. Também foi adiantado que a verba irá ser reforçada
1100 camas no Porto
A capacidade da Universidade do Porto para responder à procura é limitada e destina-se só a bolseiros. No total, a Universidade do Porto dispõe de cerca de 1100 camas, nas suas 10 residências.
Outras cidades
"Alunos já não vêm para a capital, pois sabem que não vão conseguir pagar casa"
Nunca foi tão difícil para os alunos deslocados encontrarem quarto em Lisboa. Os proprietários retiraram do mercado 80% dos quartos que estavam disponíveis para estudantes na capital, segundo o Observatório do Alojamento Estudantil, e os preços continuam a aumentar. O presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa, Afonso Garcia, não acredita que o cenário mude. "Este ano é atípico porque entraram mais estudantes em Lisboa e muitas casas foram retiradas do mercado. O desespero vai aumentar e ainda vêm os estudantes da segunda fase", acredita.
Com um valor médio de 500 euros por quarto, Afonso Garcia, também estudante deslocado e bolseiro, diz que "não conseguiria estudar no Instituto Superior Técnico se não vivesse em casa de familiares". "O preço máximo dos quartos pode chegar aos 1000 euros, mas o preço mínimo já é bastante ridículo. Muitos estudantes vivem num quarto com seis camas para pagarem 250 euros, o valor mais baixo, e às vezes não conseguem entrar logo. Para entrada imediata há quartos a 400 euros. É o mercado a explorar o nosso desespero", lamenta.
A Universidade de Lisboa recebe 50 mil estudantes, "dos quais 30% são deslocados e 9% estão em residências universitárias", que também são "insuficientes". "Há cerca de 1300 camas nas residências. Tinha-se a perspetiva de muitas estarem finalizadas este ano, mas não estão. Com o aumento dos custos por causa da inflação, também nos preocupa bastante que os projetos de residência se atrasem mais", alerta.
"Isto é um problema que precisa de uma resolução rápida porque há pessoas que estão a ter dificuldade para estar no ensino superior por causa dos preços dos quartos", afirma Afonso Garcia. "Muitas vezes, os estudantes já não vêm para Lisboa porque sabem que não vão conseguir pagar casa, então optam por escolher outras universidades. Acabam por não ter o direito de escolher onde querem estudar", acrescenta.
"Estudantes que terminam o curso estão a ficar nos quartos"
Os estudantes que chegam a Braga para estudar na Universidade do Minho têm cada vez mais dificuldades em encontrar um sítio para morar. Segundo Luís Moreira, da imobiliária Unique Rooms, este ano já há jovens a oferecer "400 euros por um quarto", mas, mesmo assim, as ofertas no mercado são quase nulas. "Há duas semanas que temos tudo ocupado", sustenta, sublinhando que esta é a realidade partilhada por outros arrendatários.
No dia das colocações "foi um caos". "E só em três dias já devo ter atendido mais de 250 chamadas para quartos", conta Luís Moreira, adiantando que o preço médio de um quarto com "boas condições" ronda os 275 euros, sem despesas incluídas. Os T1 podem chegar aos 600 euros. "Há pessoas dispostas a pagar esses valores, mas não têm oferta", atesta o agente imobiliário, admitindo que o facto da Universidade do Minho ter vindo a crescer no número de colocações também contribui para o aumento da procura.
Duarte Lopes, presidente da Associação Académica da Universidade do Minho, admite que o problema "tem sido agravado" por outro fator: "Os estudantes que terminam o curso estão a ficar nos quartos. Não têm capacidade de pagar a renda de um apartamento, mesmo depois de arranjar um emprego".
Nas redes sociais, são dezenas as mensagens de estudantes à procura de alojamento. As ofertas são escassas e, quando aparecem, mesmo proprietários particulares pedem valores acima dos 250 euros, à semelhança do que é praticado pelas imobiliárias.
"Em 2016, o preço médio de um quarto era 150 euros, agora é o dobro"
Para um estudante universitário, encontrar alojamento em Aveiro está cada vez mais difícil. E, para alguns, tem sido mesmo uma tarefa impossível. Quem o garante é Wilson Carmo, presidente da Associação Académica da Universidade de Aveiro (AAUAv). "Este ano, está pior. Agora, não é só o preço que é exacerbado. Mesmo com preços altos, não há alojamento", garante o dirigente associativo. A situação parece ter-se agravado, nos últimos anos, à medida que o número de alunos da UA - que já ronda os 17 mil - aumenta. Além disso, os estudantes queixam-se da rede de transportes públicos insuficiente.
Wilson Carmo adianta que, "desde há dois anos, mais de 50% dos estudantes da UA passaram a ser oriundos de outras cidades". A partir daí, o cenário da procura de alojamento agravou-se. "Se, em 2016, a média de preço de um quarto era 150 euros, mais despesas, atualmente os estudantes encontram, maioritariamente, quartos a 300 euros, mais despesas", relata o dirigente associativo.
Para tentar ajudar os novos alunos, durante o verão a AAUAv compilou numa base de dados alojamentos disponíveis para alugar. Mas, quando a colocou online, no dia a seguir a serem divulgadas as colocações do Ensino Superior, todos os alojamentos - quase 60, alguns deles com múltiplos quartos - ficaram indisponíveis.
As freguesias situadas fora do centro e mesmo o concelho vizinho de Ílhavo têm sido opção para alguns estudantes. No entender de Wilson Carmo, a solução terá que passar por aí, nos próximos anos, "apesar de ainda haver pessoas que têm casas disponíveis, mas que não estão habituadas a alugá-las a estudantes". Só que falta resolver a questão dos transportes. "Se Aveiro quer ser uma cidade universitária, tem que melhorar muito a rede de transportes da região. Já alertamos a Câmara, várias vezes, para essa questão", assegura o presidente da AAUAv.
"É um pesadelo para as famílias e pode refletir-se num maior abandono escolar"
Em Coimbra, a preocupação da Associação Académica tem a ver com o aumento das rendas, que estimam ter sido de 10%, sendo que a oferta é diminuta. A Universidade tem 1300 camas nas residências, um número considerado insuficiente pela Academia.
"Em Coimbra, o valor médio das rendas ronda agora os 270 a 290 euros, quando antes encontravam-se quartos a uma média de 200 euros por mês. O valor médio de um quarto subiu bastante e torna-se pesado para o bolso das famílias dos estudantes, podendo refletir-se num maior abandono escolar", considera o presidente da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra, João Pedro Caseiro. Desde o meio do verão que pais e alunos estão a sentir dificuldades, "porque as rendas são elevadas e a oferta é muito diminuta", acrescenta.
Como alternativa ao arrendamento particular, a Universidade tem 13 residências, com capacidade para cerca de 1300 camas. "As condições de candidatura estão estabelecidas no Regulamento Geral das Residências Universitárias dos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra. Resumidas, em traços gerais, determinam que as residências se destinam a estudantes que se encontrem a frequentar atividades formativas na Universidade de Coimbra e concedem prioridade na colocação a estudantes bolseiros", aponta fonte universitária.
Segundo João Caseiro, este número é insuficiente para a procura de alojamento pelos estudantes. "Há vários anos que o número de camas nas residências universitárias de Coimbra não aumenta e esta oferta tem de ser reforçada", defende.