A Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP) é a instituição coordenadora em Portuga do estudo internacional "Cidades Emergentes", que conta com a colaboração de outras instituições nacionais e arquitectos, e envolve 16 universidades de 12 países da Europa e da América do Sul e que procura debater o que será o futuro da habitação e dos centros urbanos depois de superadas as cicatrizes da covid-19 a nível global.
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Depois de um primeiro inquérito e análise logo no início da pandemia, entre abril e maio 2020, a segunda etapa do estudo está em fase de preparação. Para Filipa Guerreiro, coordenadora do projeto em Portugal, a pandemia "agudizou e extremou os problemas sócio económicos da população, o circunscrever do espaço do indivíduo ao espaço da sua casa, retirando-lhe o complemento do espaço público, do equipamento público - da biblioteca, do espaço cultural, desportivo, do espaço da escola - teve consequências muito significativas, constituindo um retrocesso no processo de democratização social que vivemos desde o 25 de abril de 1974".
A investigadora observa, por isso, que a covid-19 "tornou claro o quanto a habitação ainda permanece como um espaço, não só de diferenciação, mas também de obstáculo à mobilidade social e tornou clara a urgência de fazer cumprir o direito à habitação."
casa adquiriu novos significados e necessidades, que se prendem não só com as dimensões, modelos de organização e qualidades dos espaços interiores, mas também com as questões energéticas
A responsável, que considera que o modo como "o circunscrever do indivíduo à sua casa acentuou o drama da solidão de quem vive só, e retirou tempo de prazer da solidão de quem vive acompanhado", explica que "a casa adquiriu necessariamente novos significados e, à semelhança dos edifícios de outros programas, revelou novas necessidades que se prendem não só com as dimensões, modelos de organização e qualidades dos espaços interiores, mas também com as questões energéticas, com os materiais utilizados, com a relação com o espaço público e com a qualidade e diversidade do espaço público".
Do ponto de vista da escolha de uma futura habitação, a maioria das pessoas que respondeu ao primeiro inquérito valoriza de forma expressiva a orientação solar, o isolamento térmico e acústico, a organização interior, grandes aberturas de relação com espaços exteriores privados (varandas, terraços, pátios, jardins), cuja existência é vincadamente desejada. A possibilidade de uma maior dimensão da habitação não é valorizada.
Quanto à organização do interior das habitações, há uma valorização, por ordem decrescente, da existência de: espaço de trabalho autónomo da sala; relação aberta entre sala e cozinha; átrio de entrada confinado; lavatório/wc próximo da entrada; maiores áreas ainda que com menos compartimentos; um espaço de trabalho na sala; e por último, mais compartimentos ainda que com áreas menores.
Cidade mais verde e pedonal
Outro ponto a ter conta segundo o estudo foi a tendência de os participantes no inquérito desejarem uma cidade em que o ambiente adquire importância fundamental e no pouco otimismo em relação a tal desejo. "Cerca de 90% dos inquiridos gostariam que a cidade fosse mais verde e pedonal, que funcione com lógicas de proximidade, contudo não acreditam que tal aconteça".
Filipa Guerreiro, para quem a dinamização de estudos internacionais como aquele em que está inserida constitui "uma plataforma profícua não só para a compreensão de problemas que são transversais aos vários países e continentes, como também para a partilha de experiências e propostas", considera fundamental compreender o que se alterou na percepção das pessoas relativamente à cidade e habitação, um ano após o primeiro inquérito, realizado no início da pandemia. Será esse o objectivo do segundo inquérito, que será lançado brevemente.
Do ponto de vista pessoal, a investigadora sublinha que a participação nestes estudos e plataformas internacionais "é muito enriquecedora". Salienta, porém, que lhe interessa, sobretudo, a "mais-valia que representa do ponto de vista profissional, quer pelo contributo e reflexão" que, enquanto docente, lhe permite trazer para a Universidade, quer pela partilha de experiências que incrementa a sua atividade enquanto arquiteta, e que, salienta, "consequentemente acresce densidade e aproximação ao real na prática do ensino de projeto."