Francisco André, ex-chefe de gabinete de António Costa, disse esta quinta-feira que só conheceu o caso das gémeas quando veio a público em 2023, que o gabinete se limitou em 2019 a encaminhar a comunicação de Belém para o Ministério da Saúde, sem outro contacto, e que não sabia que o remetente era Nuno Rebelo de Sousa.
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A reunião começou com a comissão de inquérito a aprovar a utilização dos documentos conseguidos pelo grupo parlamentar do PSD sobre os seguros das crianças e os processos judiciais colocados pela mãe.
Documentação sobre seguro disponível
A votação contou com duas abstenções (Livre e PCP). Em causa está documentação da seguradora que fez os seguros das gémeas e também relativa aos processos em tribunal colocados pela mãe das crianças - que esta tinha recusado enviar aos deputados -, explicou o presidente da comissão, Rui Paulo Sousa. Ficará de imediato disponível para consulta dos deputados, sob reserva.
Já Francisco André, que foi chefe de gabinete do ex-primeiro-ministro António Costa, é ouvido esta quinta-feira na mesma reunião da comissão parlamentar de inquérito sobre o caso das gémeas tratadas em Portugal com o medicamento Zolgensma.
Foi primeiro questionado por Inês Sousa Real do PAN sobre se só tomou conhecimento do caso a 31 de outubro de 2019, quando recebeu a carta de Belém e se recebeu algum contacto relativo a este pedido, bem como se estranhou que não viesse com o remetente (Nuno Rebelo de Sousa).
Pedido encaminhado para Saúde após sete dias
"O momento em que tive conhecimento deste caso foi em novembro de 2023 quando ele veio a público", respondeu. "Esta comunicação da Presidência da República enviada a 31 de outubro de 2019 foi recebida no gabinete do senhor primeiro-ministro e foi reencaminhada logo na semana seguinte para o Ministério da Saúde [6 de novembro], como é habitual fazer com este tipo de comunicações", afirmou Francisco André. Foi até enviada com outro conjunto de comunicações que estavam sob alçada daquele ministério, garantiu ainda.
"Não recebi nenhum contacto, não tive qualquer contacto sobre este assunto, nem da parte da Casa Civil nem de ninguém", acrescentou.
Diz que soube quem era o remetente através da comissão
Ao PAN, Francisco André disse ainda que "não tinha qualquer conhecimento sobre quem era o remetente originário da missiva". "E fiquei só a sabê-lo durante os trabalhos desta comissão parlamentar de inquérito", afirmou.
Quanto ao ofício que diz ter sido encaminhado para o Ministério da Saúde em 6 de novembro de 2019 "nem sequer foi assinado" por ele porque "nessa altura ou não estaria presente no gabinete nesse dia ou não estaria disponível". "O procedimento foi o habitual, a missiva chegou da Presidência da República, foi reencaminhado para o Ministério da Saúde como era feito com este tipo de missiva", fosse o Ministério da Saúde ou outro, assegurou.
"Gabinete não foi contactado pelos pais ou outra pessoa"
Em seguida, disse que "em nenhum momento" teve "contacto ou conhecimento de que tinha partido de Nuno Rebelo de Sousa".
"Senhora deputada, volto a repetir que só tive conhecimento deste caso em novembro de 2023 quando saiu nas notícias, quando foi tornado público. E, portanto, também não pude dar conhecimento disto a ninguém, nem ao primeiro-ministro nem a qualquer outra entidade", declarou em seguida, dirigindo-se a Inês Sousa Real. "Não tenho conhecimento de nenhum contacto, nem telefónico nem por outra via sobre este assunto", insistiu, quando instado sobre a existência de reuniões.
Em concreto, diz que "o gabinete do primeiro-ministro nunca foi contactado pelos pais das crianças nem por qualquer outra pessoa ou entidade".
Cabe aos ministérios "dar resposta"
Pelo PSD, António Rodrigues perguntou se algo de especial motivou a troca de correspondência ou se foi exclusivamente o reencaminhamento de uma situação para o Ministério. "Não há nada de anormal ou fora do vulgar. O sistema implementado enquanto eu exercia as funções de chefe de gabinete do senhor primeiro-ministro era que todas as comunicações recebidas, fossem da Casa Civil do presidente da República, fossem diretamente dos cidadãos ou entidades, eram por maioria de razão e motivos evidentes reencaminhadas para os ministérios setoriais", respondeu.
"Tratado como todos os outros"
Eram previamente "analisadas para perceber qual era o ministério que tinha responsabilidade sobre o assunto que versava a comunicação e reencaminhadas", ressalvou, porque "são os ministérios que têm capacidade de dar resposta, agir ou dar satisfação". E "foi isso que aconteceu neste caso como em tantos outros", defendeu Francisco André.
O ex-chefe de gabinete reforçou que o ofício então enviado ao Ministério da Saúde incluía outras "seis comunicações". E "foi tratado de igual forma como todos os outros". Ao PSD, disse não se recordar "se ficava cópia" de tudo o que era enviado, mas disse acreditar que sim. Reforçou depois a tese do chefe da Casa Civil, Frutuoso de Melo, de que recebem "milhares de comunicações".
Foi substituído por assessora que enviou ofício
Pelo PS, o deputado André Rijo quis detalhar alguns aspetos abordados por Francisco André. Referiu o facto de o ofício à ministra da Saúde ser assinado pela assessora Patrícia Melo e Castro e perguntou qual a sua função exata e se tinha autonomia plena para remeter correspondência.
O inquirido respondeu que "a assessora em causa era a substituta legal do chefe de gabinete. Portanto, nas minhas ausências ou impedimentos tinha que me substituir e substituía por diversas vezes neste caso específico de dar sequência imediata às comunicações recebidas no gabinete do senhor primeiro-ministro". Insistiu que era impossível estar permanentemente no gabinete a dar seguimento "às milhares de comunicações que chegavam todos os meses".
"Foi só um encaminhamento normal como qualquer outro caso? Não há nenhuma orientação concreta para a chefe de gabinete da senhora ministra da Saúde com alguma nota de urgência específica sobre este caso? Sabe desta matéria, chegou a comentar com a dra. Patrícia esta circunstância?", perguntou o deputado socialista.
"Comigo o contacto de Nuno Rebelo de Sousa nunca existiu"
"Não houve nenhuma diligência específica nem conheço essa matéria porque não houve de facto nenhum comentário nem diligência sobre isso. E se tivesse havido alguma chamada de atenção ou algo de anormal com certeza que eu seria a primeira pessoa a saber porque um gabinete também tem hierarquia e em primeiro lugar seria comigo que a assessora em causa ou outro assessor falariam sobre o assunto", respondeu Francisco André. "Não houve nenhum comentário, nenhuma diligência. Este processo seguiu os trâmites perfeitamente normais como seguiram todos os outros", reforçou depois.
Em seguida, explicou que "o ofício em causa, quando remete seis ou sete comunicações chegadas no mesmo dia, dá para de alguma forma para perceber o volume de comunicações" no gabinete do primeiro-ministro diariamente. E, "portanto, foi tratado como todos os outros".
"Única análise era para saber qual o Ministério competente"
O PS perguntou depois se, para além dos contactos instituicionais, não houve qualquer contacto de Nuno Rebelo de Sousa junto do gabinete primeiro-ministro para que intercedesse neste caso. "Tanto quanto é do meu conhecimento, não houve nenhum contacto. Esse contacto, a existir, teria sido comigo e comigo esse contacto nunca existiu".
Pelo Chega, André Ventura começou por recordou que a audição do ex-chefe de gabinete também foi requerida pelo PSD.
Ventura lembrou de seguida que, segundo o chefe da Casa Civil, a carta enviada ao gabinete do chefe do Governo e remetida depois à Saúde não continha o remetente Nuno Rebelo de Sousa para evitar pressão. Questionado sobre se, no espaço de sete dias que demorou a ser encaminhado, nunca esteve no gabinete ou foi informado da comunicação em causa pela assessora, Francisco André disse que pode ter estado "varios dias", mas insistiu que não tomou conhecimento deste ofício.
"A única análise que era feita era a identificação do Ministério em causa que tinha capacidade para dar resposta aos assuntos", insistiu também, questionado sobre a triagem da informação recebida por Belém.
Relatório confidencial seguiu "sem triagem"
"Tem noção de que o ofício que envia para o Ministério da Saúde contém um relatório médico com o nome das pessoas e identificação da sua condição clínica? Tem noção de que o gabinete do primeiro-ministro enviou - e agora não sabemos para quem porque desapareceu, ninguém assume que o recebeu - um documento que não posso mostrar aqui porque é confidencial mas que inclui um relatório médico com nomes, o tipo de doença, o diagnóstico, os medicamentos que são pedidos, e isto foi reenviado para um ministério sem sequer ser visto?", repetiu o deputado do Chega. "Não faz triagem nenhuma? Tudo o que recebe reenvia?", perguntou ainda, questionando então a ex-chefe de gabinete "o que estava lá a fazer" pela falta de triagem de um documento confidencial.
Ministra da Saúde não recebeu
Para André Ventura, "não é credível" a teoria de que as comunicações foram apenas reenviadas, tal como defenderam também outros inquiridos. Mas Francisco André manteve que este era o sistema, "sem diferença" no tratamento deste caso face a outros.
"Mas o Ministério da Saúde diz que não recebeu", confrontou o líder do Chega, após Francisco André referir "o ofício de saída" do gabinete que chefiava. "Não teve tratamento diferente de outros casos", reforçou.
Inquirido depois pela deputada Joana Cordeiro, da Iniciativa Liberal, repetiu que "todos os ofícios são lidos para se perceber qual o ministério" responsável para depois encaminhar a comunicação. E disse "não ver outro sistema adequado para dar seguimento" a todas as solicitações dos cidadãos.
"Se tivesse havido alguma diligência adicional, que não houve, eu teria sabido". E "não tive qualquer conhecimento, direto ou indireto, sobre a tramitação deste caso desde o momento que surgiu em 2019 até agora, quando veio a público", respondeu Francisco André ainda a Joana Cordeiro. A deputada recordou ainda que a audição foi também pedida pela IL.
"Sem informação" sobre referência a Lacerda no hospital
Entre várias questões, a bloquista Joana Mortágua perguntou ao inquirido se sabe o motivo pelo qual, ao ser reencaminhado para o Ministério da Saúde, o email foi distribuído para a secretaria-geral e não para a ministra como era suposto. E também se Francisco André faz alguma ideia da razão porque circulava no Hospital de Santa Maria, na ficha clínica das gémeas, a indicação de que a consulta tinha sido feita a pedida do então secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales.
"É evidente que há uma análise e triagem de todas as comunicações que eram recebidas" para saber qual o Ministério para o qual seriam encaminhadas, começou por repetir. E disse não corresponder à verdade a imagem de que havia uma "mera caixa de correio postal" no gabinete do primeiro-ministro.
Sobre a tramitação interna no Ministério da Saúde, disse não poder responder por exercer funções noutro gabinete. E também disse não ter conhecimento ou informação sobrea a última pergunta relativa a Lacerda Sales.
Pelo PCP, Alfredo Maia perguntou se é significativo o volume de comunicações recebidas com pedidos de ajuda para medicamentos e terapêuticas. Francisco André disse ter memória de um conjunto de comunicações significativas na área da saúde como na área da segurança social, com matérias em que "as pessoas têm dificuldade no relacionamento com os serviços e organismos da Administração Pública".
"Sete dias não é prazo alargado"
Paulo Muacho, deputado do Livre, perguntou se havia uma pessoa específica para fazer a análise das comunicações para encaminhamento. "Não havia apenas uma pessoa que fazia este trabalho", respondeu o inquirido, recordando que havia vários assessores. "Estas comunicações saem por ofício", sublinhou ainda, sem detalhar se é por correio ou estafeta, entre outras formas.
"É normal que haja casos que chamem a atenção. O que lhe posso dizer sobre este caso em concreto é que não houve nenhum pedido adicional, nenhuma diligência, nenhum pedido de informação, nenhum contacto posterior para lá do ofício de 6 de novembro de 2019 a enviar a comunicação recebida da Presidência da República para o Ministério da Saúde", disse ainda Francisco André ao deputado do Livre. Sobre o prazo de sete dias, disse que não é alargado mas sim a "rapidez possível".
Paulo Muacho perguntou depois se "alguma vez teve contacto com Nuno Rebelo de Sousa" no âmbito das suas funções para que exercesse influência em algum caso.
Trocou no Brasil "palavras de cortesia" com filho de Marcelo
"Não senhor deputado, nunca tive nenhuma reunião ou pedido de contacto do dr. Nuno Rebelo de Sousa com nenhum pedido de influência. Terei encontrado o dr. Nuno Rebelo de Sousa não no exercício das funções de chefe de gabinete do primeiro-ministro mas já mais tarde numa visita ao Brasil em que o encontrei fortuitamente e , portanto, náo teremos trocado mais do que meia dúzia de palavras de cortesia", garantiu. E insistiu não ter conhecimento, "direto ou indireto", de contactos para marcação de consultas.
Ofício extraviado?
Pelo CDS, João Almeida perguntou-lhe se teve algum pedido de agendamento, marcou alguma reunião ou testemunhou alguma reunião a pedido de Lacerda Sales enquanto secretário de Estado com o primeiro-ministro. "Que em recorde não", respondeu Francisco André, recusando novamente pronunciar-se sobre a tramitação interna no Ministério da Saúde quando questionado sobre o facto de o ofício ter ido parar à secretaria-geral do Ministério e não à ministra. "Ele não foi extraviado", defendeu, com o centrista João Almeida a discordar e a considerar não ser normal o ofício ter ficado na secretaria-geral.
João Almeida sugeriu que fosse feito um pedido ao Ministério da Saúde sobre o mesmo ofício para verificar a entrada do documento. Será elaborado agora um requerimento nesse sentido, segundo o presidente da comissão.
Na última ronda, Francisco André reforçou que "não houve nenhum contacto de Nuno Rebelo de Sousa sobre este caso ou caso algum".