Manuel Delgado demitiu-se do cargo de secretário de Estado da Saúde depois de confrontado com documentos comprometedores sobre a sua relação com a presidente da Raríssimas.
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O secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, demitiu-se esta terça-feira do cargo, na sequência do escândalo que rebentou sobre a Raríssimas, associação para a qual prestou serviços de consultadoria entre 2013 e 2014 e sobre os quais recebeu 63 mil euros. O pedido de exoneração aconteceu pouco depois de ser confrontado, numa entrevista à TVI, com documentos, perguntas e fotografias comprometedoras sobre a sua relação com a presidente da Raríssimas, Paula Brito e Costa, que também se demitiu suspeita de ter usado fundos públicos em proveito próprio.
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A TVI confrontou o governante sobre uma viagem que terá feito ao Brasil, alegadamente paga pela Raríssimas, na companhia da presidente daquela Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) e Manuel Delgado ficou sem palavras. Pouco depois da entrevista, Manuel Delgado pediu a exoneração do cargo e, quase simultaneamente, Paula Brito e Costa apresentava a demissão. Em declarações ao Expresso e à RTP, disse estar a ser vítima de "uma cabala muito bem feita". O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que assume as funções de chefia do Governo, na ausência do primeiro-ministro, António Costa, do país, disse que o pedido de demissão tem a ver com "uma questão pessoal".
Manuel Delgado afirmou à TVI que pôs o lugar à disposição no sábado, após a divulgação da reportagem que revelou que o então consultor recebeu da Raríssimas cerca de 63 mil euros entre 2013 e 2014, mas que o ministro da Saúde considerou não haver "razões objetivas nenhumas" para o exonerar. Mas após a entrevista desta terça-feira, não teve margem para ficar em funções.
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Uma nota do gabinete do primeiro-ministro António Costa - que estava em Paris - enviada à Imprensa a meio da tarde, confirmava o pedido de exoneração de Delgado e a sua substituição por Rosa Matos Zorrinho, que há menos de dois anos liderava a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, deu ao final da tarde posse à nova secretária de Estado, no Palácio de Belém.
Na entrevista, Manuel Delgado negou ter imposto condições para trabalhar para a Raríssimas. Mas um email, entre a diretora da instituição e um outro dirigente, revela que o ex-secretário de Estado impôs 12 mil euros brutos por mês, mais carro e seguro de saúde. "Não corresponde à verdade", disse Delgado, admitindo que "eventualmente" Paula Brito e Costa estivesse a mentir. A presidente acrescentava na mensagem que era muito dinheiro, mas valia a pena porque Delgado era PS, um homem de Correia de Campos que poderia colocar a associação na "mó de cima".
Questionado sobre a moralidade de cobrar três mil euros por mês a uma instituição que vive de apoios públicos, Delgado argumentou que o trabalho foi feito e não era legítimo prescindir do seu pagamento.
Email com balancete alertava para dificuldades
No início da peça da TVI, o então secretário de Estado da Saúde garantiu que não participava em decisões financeiras ou de funcionamento da Raríssimas, nem conhecia os balancetes que alertavam para as dificuldades da instituição. Quando confrontado com um email de 2014, que lhe terá sido enviado pelo ex-tesoureiro Jorge Nunes, com um balancete que apontava para um saldo negativo de 351 mil euros, respondeu que não se lembrava. "Pelos vistos foi-me enviado isso", disse.
Pago com recurso a Fundo de Socorro Social
Manuel Delgado alegou desconhecer que estava a ser pago com fundos públicos e sublinhou que merecia receber pelos serviços que prestou. Mas não negou ter conhecimento de que parte do valor foi pago com recurso ao Fundo de Socorro Social. "Perante esse episódio desagradável (...) nunca mais prestei serviços à Raríssimas".
Viagem ao Brasil na companhia da presidente
Manuel Delgado confirmou ter estado em Burgos (Espanha) e em Buenos Aires (Argentina) com a presidente da Raríssimas, mas negou ter ido ao Brasil numa viagem organizada pela associação na companhia de Paula Brito e Costa. Porém, a TVI exibiu fotografias que mostravam os dois num ambiente descontraído. O ex-governante mostrou-se bastante desconfortável e negou ter tido algum tipo de relação, que não profissional, com a dirigente, alegando tratar-se de uma questão da sua vida privada. A TVI mostrou uma fotografia dos dois, de costas, a caminharem à beira-mar abraçados.
A polémica
A reportagem divulgada sábado pela TVI revelou que Paula Brito e Costa recebia um salário de três mil euros/mês, acrescido de 1300 euros em despesas de representação e de 1500 euros em apoios para deslocações. A isto juntava-se um Plano Poupança Reforma de 816,67 euros suportados pela Raríssimas e 900 euros pelo aluguer de um BMW. A presidente usava o cartão de crédito para despesas no supermercado e comprar roupa de marca.
Entre 2013 e 2017 a Raríssimas recebeu da Segurança Social quase dois milhões de euros para financiar, ao abrigo dos acordos de cooperação, as várias valências da Casa dos Marcos, na Moita. A construção do edifício, em 2013, também recebeu um apoio do Estado no valor de 420 mil euros.