Projeto da Associação Bagos d'Ouro contribui para diminuir dificuldades no estudo e o abandono escolar precoce. São 40 as duplas que têm interação na região.
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"Olá Gonçalo, consegues ouvir-me?", pergunta Rita Gonçalves, emoldurada numa pequena janela que se abre no ecrã do computador de Gonçalo Barradas. "Sim, perfeitamente", responde a criança de 12 anos. "Tiveste alguma dificuldade para fazer o texto pedido na escola?", torna ela. "Sim, apenas com algumas coisinhas, mas já está feito", assume ele. Ambos formam uma das 40 duplas do "Enreda-te Digital 2.0" da Associação Bagos d"Ouro.
Este projeto é uma evolução do que já existia antes da pandemia e um imperativo do ensino à distância a que os confinamentos obrigaram. "O nosso objetivo era encontrar uma figura de referência, um voluntário ou um tutor, alguém que pudesse estar uma vez por semana com as nossas crianças e jovens", recorda Mafalda Ferrão, coordenadora social da associação que apoia menores com necessidades diversas em seis concelhos da região do Douro. Só que com o vírus da covid-19 à solta e sem barreiras, "foi preciso passar o projeto para o digital".
A mudança pressupunha comunicar à distância. Foi necessário ultrapassar obstáculos, nomeadamente ao nível dos equipamentos e da Internet, que em algumas zonas do Douro é bastante fraca. A parte positiva foi a procura de voluntários que se alargou a todo o país e até ao estrangeiro, passando a "entrar em casa dos "baguitos" através do computador ou do telemóvel".
Quilómetros de distância
É ao fim da tarde que Rita Magalhães e Gonçalo Barradas se encontram numa videochamada. "Vamos começar a ler um texto, ok?", pergunta ela. "Está bem", responde ele. Rita está na Póvoa de Varzim, onde vive. Tem 21 anos e é licenciada em Jornalismo. Gonçalo mora em Goujoim, uma pequena aldeia a dez quilómetros da vila de Armamar, no norte do distrito de Viseu. Tem 12 anos e frequenta o sétimo ano do Ensino Básico. Estão a mais de 160 quilómetros de distância, duas horas de carro, mas graças às novas tecnologias, ambos estão enredados digitalmente.
Matemática, Português ou outros conteúdos escolares são o centro da interação entre crianças e mentores. A Matemática é a que causa mais dores de cabeça ao Rui Pedro, 10 anos, que frequenta o sexto ano do Ensino Básico em Armamar. Por isso procura ajuda numa reunião digital com o seu mentor, Gonçalo Vaz Pedro, 32 anos, consultor de gestão que vive em Lisboa. "Tentei fazer os trabalhos, mas não consegui", lamenta-se o primeiro. "Vamos pegar nisso, vai lá buscar o livro", sossega-o o segundo. Rui confessa que a ajuda do mentor é de grande valia, pois já permitiu "melhorar as notas".
Além da parte educativa, estarem enredados digitalmente tem permitido construir "relações de amizade" entre mentores e crianças. Tanto Rita Magalhães como Gonçalo Vaz Pedro assumem que ficam "mais enriquecidos" com a experiência.
Pais de Gonçalo querem um futuro diferente para ele
Os pais de Gonçalo, Tobias e Maria do Céu, só querem que o filho estude mais para ter um futuro diferente do deles, agarrados ao amanho da terra, em Goujoim. "A Rita ajuda a puxar por ele, pois a vida aqui não é fácil", dizem.
A psicóloga Bárbara Queirós, gestora da Bagos d'Ouro em Armamar, assegura que o projeto permite "acompanhar os pais das crianças". A coordenadora social, Mafalda Ferrão, está convencida de que a estratégia vai permitir "uma redução do abandono escolar precoce". José Veiga, coordenador, elogia o trabalho dos voluntários: "São o sucesso do projeto. Disponibilizam tempo da sua vida e estão envolvidos de alma e coração para ajudar os baguitos".