A falta de recursos, humanos e financeiros, deficiências nas instalações e um certo desconhecimento democrático foram apontados, na terça-feira, como os principais problemas das Assembleia Municipais, durante um debate, no Porto, sobre os chamados “parlamentos locais”.
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“O peso das Assembleias Municipais no orçamento municipal anda à volta dos 0,1%”, disse António Cândido de Oliveira, professor catedrático jubilado da Escola de Direito da Universidade do Minho. “Só 42 têm mais de 10 mil euros de orçamento”, de um total de 308 em Portugal, especificou. Números que constam do Anuário das Assembleias Municipais (AM) de 2022, apresentando antes do debate.
“As assembleias deviam ter verbas próprias”, adiantou Cândido de Oliveira. “A primeira vez que tentei, o presidente da Câmara disse que não era essa a tradição”, lembrou José Batista Pereira, da Assembleia Municipal de Paredes. Sublinhando que a “legislação permite bloqueios executivos” às AM'S, defendeu a necessidade de mudar as leis.
“A legislação tem de ser melhorada”, reconheceu Cândido de Oliveira, “mas tem potencialidades”, acrescentou aquele especialista. “O financiamento é um dever da Assembleia Municipal”, acrescentou, secundado por Albino Almeida, presidente da Associação Nacional de Assembleias Municipais. “Por alguma coisa o legislador pôs a aprovação do orçamento da AM antes da aprovação do orçamento da Câmara”, apontou.
“O Orçamento do Município é aprovado na AM”, sublinhou Pedro Santos, presidente da assembleia de Vila Flor. “A AM delibera o orçamento que quer e é o que fica”, acrescentou. Uma situação similar ao que se passa na Trofa. “Todos os anos fazemos o nosso orçamento em função do plano de atividades”, disse a presidente da AM trofense, Isabel Cruz.
Susana Constante Pereira, da AMPorto, bastante respresentada entre as quase quatro dezenas de pessoas presentes no debate, disse que no Porto “não há um orçamento próprio” para a AM . “Fora de Lisboa, as verbas que são alocadas às Assembleias são muito escassas”, sublinhou Gustavo Pimental, um histórico destas lides, lembrando que este órgão portuense continua a não ter meios próprios. “Sem meios humanos, recursos financeiros e suporte físico, nunca chegará àquilo que poderia fazer”, acrescentou.
Falta apoio técnico, hoje como há 40 anos
Manuel Monteiro entrou pela primeira vez para uma AM em 1986. Tirando oito anos numa empresa municipal e quatro num executivo, tem 28 anos de experiência. "O apoio logístico, hoje, é bom". Falta apoio técnico ou um gabinete de apoio aos deputados municipais. "Hoje como há 40 anos".
Siusana Constante Pereira sublinhou que, no Porto, “há um parecer da CCDR-Norte que não admite a possibilidade de haver esse apoio, quer a deputados sem pelouro quer a eleitos das assembleias”. Um problema num país “em que tudo é feito em cima do joelho e os documentos chegam em cima da hora, com pouco tempo par analisar”, sublinhou Pedro Santos.
“O problema não é tanto o tamanho, mas a complexidade técnica dos documentos”, acrescentou Bruno Nadais, de Matosinhos. “Era bom que os deputados municipais tivessem apoio para os analisar e até para recolha de informação”, acrescentou.
António Miguel Rios, da Póvoa de Varzim, lembrou a falta de comissões permanentes, apontada no Anuário das Assembleias Municipais 2022, enquanto Álvaro Costa lembrou que a Assembleia
é um órgão deliberativo.
"Falta de respeito pelo público"
Considerando que a AM é “o órgão mais plural do município” e também o mais democrático, a presidente da assembleia da Trofa defende que se pode fazer com este órgão muito com o que a legislação permite. "Temos espaço para ser mais do que papagaios de braço no ar", acrescentou.
“Não podemos ser caixa de ressonância. Estes órgãos representam as pessoas e as necessidades das pessoas", disse Elisabete Tavares, da AMPorto. "O que acontece com o público é uma falta de respeito. O executivo levanta-se e vai embora", disse, apontando a um dos problemas elencados no Anuário.
“Perplexa pela ausência de alguns critérios de democraticidade", Fernanda Rodrigues, eleita pelo PS para a AMPorto, apontou ao mesmo problema. “A relação com os munícipes poderia ser muito importante, mas o executivo do Porto vira as costas”, asseverou.
José Manuel Pavão, fundador da Associação Nacional das Assembleias Municipais (ANAM), argumenta que “apesar das dificuldades e das imensas limitações”, as AM's “são uma figura de um enorme potencial, especialmente do ponto de vista formativo”. Órgãos que “contribuem para o sucesso do país, essencialmente pela formação de quadros”, acrescentou.
Uma valência que vai ao encontro de uma preocupação de Sebastião Feyo de Azevedo, presidente da mesa da Assembleia Municipal do Porto. “Preocupa-me a pouca representação social que temos na política, na sociedade, na saúde, na justiça”, disse. “O nosso sistema eleitoral precisa de reformas, está muito preso ao status”, acrescentou.