Criam associação para apoiar quem sofre de mastocitose, doença rara pouco conhecida e que se confunde com cancro. Medicação é cara.
Corpo do artigo
"Masto... O quê?" - Susana levou tempo a interiorizar o nome que passou a assombrar-lhe os dias e as noites. Não quis acreditar quando o dermatologista presumiu que o mais certo seria ter mastocitose, uma doença hematológica rara e pouco conhecida que tende a confundir-se com cancro. Em pânico, viu-se a braços com falta de informação e, ultrapassado o susto, resolveu juntar-se a um médico do Hospital de S. João e a outras famílias do distrito do Porto para criar uma associação que ajude os doentes.
"Tinha manchas na pele e fui a uma consulta de dermatologia. Quando me disseram que tenho uma doença rara, pensei: "estão a brincar comigo? Esta doença existe?" Nem decorei o nome; só as últimas letras: "ose"", recorda Susana Babo, que foi escolhida para presidir à Associação Portuguesa de Doentes com Mastocitose e Doenças Mastocitárias (APORMAST), constituída há cerca de um mês com o apoio científico do médico imunoalergologista Tiago Rama, que segue doentes com esta patologia no S. João.
Até que o diagnóstico se confirmasse, através de uma biópsia à medula, "foi horrível: uma ansiedade e uma angústia muito grandes, insónias... Devorei tudo o que havia sobre a doença, de que nunca tinha ouvido falar. Se tivesse um site que me tranquilizasse até ter ajuda médica especializada, provavelmente não teria passado por este desgaste", relata Susana, de 47 anos, vincando que "o objetivo da associação é divulgar a doença, ainda desconhecida para a maioria das pessoas, e conseguir benefícios a nível da medicamentação, que é um encargo muito grande, e muita gente não pode pagar".
"Queremos que a medicação seja, se não gratuita, pelo menos mais acessível, para que possa ser tomada por todos. A associação também nasceu para isto. Estamos a falar de uma medicação diária, e é muito complicado deixar de tomá-la por causa do dinheiro", sublinha a presidente da APORMAST, lembrando que o fármaco prescrito para doentes com mastocitose não é comparticipado. Trata-se do cromoglicato de sódio, um medicamento que tem de ser manipulado na farmácia, implicando um custo entre os 120 e os 130 euros.
Além de pretender "alertar para os custos da medicação", a APORMAST quer "aumentar a consciencialização dos doentes e do público em geral para a doença,", explica o médico Tiago Rama, adiantando que "está a ser criado o site" da associação, onde será possível encontrar informação científica sobre a mastocitose, para doentes e profissionais de saúde.
"Era um vazio muito grande de informação. As pessoas não sabem o que é a doença. Disseram-nos que poderia evoluir para uma leucemia", relembra Joana Couto, a voz a tremer-lhe na alusão a cancro. É mãe de uma menina de três anos a quem foi diagnosticada a doença, e tem os olhos líquidos de angústia. "Emocionalmente, é difícil de gerir. É fazer o luto do filho saudável e viver com o medo da evolução da doença. Felizmente, temos condições para financiar a medicação, que ela toma três vezes por dia, mas não sabemos o futuro...", teme.
"A maior parte das pessoas vem com muitas perguntas, e quase é necessário desfazermos o novelo das informações. Quem vai à internet e não tem capacidade para filtrar [a informação], vai ficar preocupado", alerta o imunoalergologista Tiago Rama, que desenvolve investigação sobre mastocitose.
Doença rara
As mastocitoses são doenças raras que resultam da acumulação, nos tecidos, de mastócitos, que são células do sistema imunitário que, ativadas, libertam mediadores inflamatórios que podem originar sinais e sintomas que vão desde a comichão na pele ao choque anafilático. São sintomas idênticos aos das reações alérgicas, e podem ser desencadeados por medicamentos, picadas de abelhas/vespas, alimentos e stress emocional, entre outros.
Diagnóstico difícil
Heterogéneas a nível de sintomatologia, as mastocitoses são doenças de difícil diagnóstico, o qual pode demorar anos. Aparecimento de manchas na pele, com comichão, diarreias ou outras perturbações digestivas associadas e anafilaxia são alguns dos sinais de alerta.
Esperança
O médico Tiago Rama realça que "uma das mensagens muito positivas é que mais de 80% dos doentes tem um ótimo prognóstico e uma esperança média de vida semelhante à das outras pessoas". O site da APORMAST deverá estar operacional até ao final do ano. Até lá, o contacto com a associação pode ser feito através do email mastocitose.portugal@gmail.com.