No Natal, mais famílias recebem crianças mais o número continua a ser residual. A pandemia teve impacto em 60% dos menores que vivem em instituições.
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Dos quase sete mil crianças e jovens retirados às famílias e inseridos em instituições em 2020, apenas 202 foram recebidos, durante algum tempo, por famílias de acolhimento. O relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens (CASA 2020) é claro sobre a disponibilidade das famílias em receber crianças. No ano passado, dos 6706 menores que estavam em instituições de acolhimento, apenas 202 passaram pela casa de famílias que se dispuseram a receber crianças. Em 2019, foram 191 os menores que viveram temporariamente com famílias que não as suas.
"Não se percebe porque é que não há muito mais acolhimento em Portugal. Os números até vão contra a nossa tradição de acolher porque, de facto, quando se trata de receber crianças institucionalizadas, as famílias portuguesas não aderem", disse ao JN Nadine Santos, investigadora na Universidade do Minho e há sete anos família de acolhimento de uma menina.
Em moldes diferentes, Leonor Soares Cardoso, 21 anos, estudante de Enfermagem, aderiu ao projeto "Amigos Especiais" da Associação Candeia e tornou-se uma espécie de "irmã mais velha" de uma adolescente de 14 anos que vive numa instituição em Lisboa. "O objetivo é fazer com que jovens acolham outros jovens e façam em conjunto atividades como passear, ir ao cinema e estudar", explicou.
Pela primeira vez, a amiga vai passar o Natal com a família de Leonor. "Estão todos muito entusiasmados e queremos que ela se sinta em casa", frisou. De resto, garante a estudante de Enfermagem, a amiga sabe que pode contar com ela e com a família para o que precisar.
Apesar das restrições sanitárias, no período natalício há mais crianças a sair das instituições para passar uns dias em casa de famílias de acolhimento. Margarida Fonseca, de Águeda, todos os anos acolhe um jovem nas férias de Natal. "No ano passado, fizemos todos testes e o menino passou as festas connosco", recorda a cozinheira, mãe de dois filhos com 13 e 9 anos. Este ano, ainda não sabe se o menino de sete anos volta a estar com a família. "Há muitos casos de Covid na escola que ele frequenta e ele está em quarentena", frisou. Ao longo do ano, o contacto do rapaz com a família de Margarida é assíduo, mas em dezembro "é sempre mais estreito".
Impacto na saúde mental
De acordo com o mesmo relatório da Segurança Social, a pandemia teve um impacto na saúde mental de 60% das crianças e jovens acolhidos em instituições, em particular nos adolescentes.
Esta caracterização anual do sistema de acolhimento faz também uma análise das situações de perigo que estiveram na base da abertura dos processos de promoção e proteção pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens ou pelos Tribunais e que levaram à decisão de afastá-los dessa situação, integrando-os no sistema de acolhimento.
Foram detetadas 15 403 situações de perigo que levaram à aplicação de uma medida de proteção, mas cada criança e jovem acolhida no sistema poderá ter sido vítima de várias situações. Para 628 das crianças e jovens em acolhimento (4%), a medida foi decretada tendo por base os maus-tratos físicos de que eram vítimas. Os maus-tratos psicológicos estão presentes em 10% das situações de retirada de menores aos progenitores.
"É muito preocupante que, em média, em cada 100 crianças que são afastadas das famílias, 97 sejam acolhidas em instituições e apenas três fiquem com famílias capazes de as receber", questiona Nadine Santos. "Há quem pense que as famílias não acolhem porque têm medo de criar laços afetivos com as crianças e depois as crianças vão-se embora, mas o que me parece é que é preciso sensibilizar as famílias para o acolhimento", finalizou a investigadora que está, há 18 meses, à espera de receber outra criança para acolher.
Pormenor
202 crianças institucionalizadas viveram em famílias de acolhimento em 2020.