Maior agitação psicomotora, duração do tratamento ou abuso na prescrição entre as explicações dos médicos. Depois do pico em 2014, dispensa de metilfenidato caiu 30%.
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Indicado no tratamento da perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA), o metilfenidato - comercializado sob a designação de Ritalina, Concerta e Rubifen - foi a substância ativa mais prescrita, no ano passado, na faixa etária dos 10 aos 14 anos. Num total de 169 mil embalagens, metade do total prescrito naquele ano em pediatria (até aos 19 anos). Os dados são da Autoridade Nacional do Medicamento e mostram que, desde o pico registado em 2014, a dispensa total caiu 30%.
Diz-nos então o Infarmed que, nos 10-14 anos, à prescrição de metilfenidato, segue-se o montelucaste (usado no tratamento da asma) e o ibuprofeno. Em nenhum dos restantes grupos (5-9 e 15-19) o metilfenidato surge na lista das três principais substâncias ativas mais prescritas. Tendo sido, no total 0-19 anos, a quinta mais prescrita, a seguir ao paracetamol, montelucaste, ibuprofeno e amoxicilina+ácido clavulânico. Nos 10-14, tinha sido a mais prescrita em 2017 e ocupado o segundo lugar nos três anos seguintes.
"É o período em que as crianças apresentam mais hipercinesia, que pode tornar-se prejudicial na atividade escolar", afirma Maria do Carmo Santos, diretora da Unidade de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital de S. João. Ou, como descreve a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, é quando "voam na sua imaginação também com as pernas e com os braços".
Por outro lado, diz Maria do Carmo Santos, é uma "medicação de uso diário, durante o período da escola", enquanto o paracetamol ou o ibuprofeno "só se toma quando há um quadro infeccioso". Revelando que a PHDA "é um quadro bastante prevalente e frequente, à volta dos 10%".
Dados que "não chocam nada" o presidente da Sociedade Portuguesa de Défice de Atenção: "O metilfenidato não se toma três dias num ano". Recordando José Boavida Fernandes que, quando o assunto chegou ao Parlamento, os números indicavam que "não chegavam aos 2%" as crianças em idade escolar que estariam medicadas, um "número muito inferior ao que se verifica na maior parte dos países ocidentais".
Entendimento oposto tem a presidente da Sociedade de Pediatria do Neurodesenvolvimento para quem, e falando a título pessoal, os dados são "uma surpresa" e uma "preocupação enorme". Para Guiomar Oliveira "não é aceitável que se prescreva um psicofármaco com tanta frequência; haverá assim tantos problemas de comportamento?". Entendendo a pediatra do neurodesenvolvimento que se "está a abusar da medicação de psicofármacos", em muitos casos sob "pressão dos pais e das escolas".
Sobre o facto de nos 15-19 não surgir no top 3, Maria do Carmo Santos explica que "na adolescência há uma diminuição da hipercinesia" e que "30% dos adolescentes deixam de precisar de medicação". Admitindo José Boavida Fernandes o "abandono prematuro", aliado a "receio dos pais" e ao facto de os "adolescentes não gostarem, porque ficam menos divertidos".
Do abuso à informação
Ana Vasconcelos vê na quebra de 30% na dispensa entre 2014 e 2021 a prova de um excesso. "Confirma. E que o que a escola julgava ser um tratamento para crianças que não estavam bem, perceberam que havia muitos inconvenientes e não tantas vantagens em muitos dos casos". Nomeadamente, "perdiam a criatividade e ficavam amorfos". Aliado a uma maior "sensibilização da opinião pública" e "consentimento informado dos pais".
Guiomar Oliveira fala numa "excelente notícia", que "só mostra que os grupos profissionais e clínicos estão mais confiantes na decisão clínica e mais imunes à pressão externa". Enquanto José Boavida Fernandes refere "outros produtos, no grupo dos estimulantes, e com uma quota boa de mercado".
Ensino à distância em 2020 leva consumo a cair 20%
Em 2020, ano que a pandemia ditou o ensino à distância, confinando milhares de crianças, a dispensa de fármacos com metilfenidato caiu 20% face a 2019, para as 176 mil embalagens. Recuperando 9% no ano passado, para as 192 mil. "Houve menos necessidade porque havia menos tempo de escola em casa, um ambiente mais controlado, menos fatores de distração e muitas famílias deixaram de sentir que fosse necessária a medicação", explica Maria do Carmo Santos. Parecendo, também, a Guiomar Oliveira, "uma relação direta", na medida em que "não havia a pressão da escola". Em 2014, a dispensa de metilfenidato chegou às 276 mil embalagens. O assunto chegou ao Parlamento, com o PAN a propor a proibição da sua prescrição a menores de seis anos (nos quais não é recomendada). Não passou.