Dispensadas mais de 288 mil embalagens, o valor mais alto desde 2003, quando se iniciou a comparticipação. Regresso à escola, sobrediagnóstico ou pressão entre as explicações.
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Depois da quebra acentuada registada no primeiro ano de pandemia, a dispensa de medicamentos contendo metilfenidato, indicado no tratamento da perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA), atingiu um novo máximo. Foram 288 217 embalagens, o valor mais alto desde que se iniciou a sua comparticipação, em 2003. Entre as explicações para o aumento, os médicos ouvidos pelo JN admitem a pressão sobre as famílias, o regresso à normalidade escolar e o sobrediagnóstico.
Os dados fornecidos pela Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) mostram que, depois de atingido um primeiro pico em 2015, com 283 mil embalagens, a dispensa iniciou uma descida, acentuando-se no primeiro ano de pandemia de covid-19, com 220 mil embalagens. Situação que se inverte no ano seguinte, chegando-se, no ano passado, às 288 mil embalagens de medicamentos contendo metilfenidato (comercializado sob as designações de Ritalina, Concerta e Rubifen), prescritos, comparticipados e dispensados nas farmácias comunitárias. Face a 2019, ano de pré-pandemia, a dispensa subiu 10%.
Sem medicação
Para os pediatras ouvidos pelo JN, esta evolução parece ter uma relação direta com o ensino à distância imposto pela pandemia e o regresso à escola. Durante a crise sanitária, o presidente da Sociedade Portuguesa de Défice de Atenção (SPDA), José Boavida Fernandes, sinaliza um "abandono prematuro da medicação". Também Filipe Glória e Silva, pediatra do neurodesenvolvimento, destaca, naquele período, "a tendência de os alunos com PHDA precisarem de ter os pais o tempo todo ao seu lado para conseguirem estar atentos e para concluírem as suas tarefas escolares", sendo que "alguns pais optaram por não dar medicação".
Com o regresso à normalidade em 2022 e "com o ritmo habitual de tempos letivos, que podem ser uma dificuldade para a capacidade de concentração" destas crianças, "era esperado que a utilização da medicação para a PHDA voltasse a aumentar". Acresce, diz Filipe Glória e Silva, que "as crianças que tomam esta medicação fazem-no durante todo o ano letivo e algumas também nas férias", facto que "gera um número de embalagens elevado".
A relação com a escola é admitida, também, por Guiomar Oliveira, pediatra de neurodesenvolvimento. Contudo, frisa não se rever "nessas prescrições", considerando haver "um uso abusivo deste fármaco", que, "muitas vezes, pode condicionar" que se faça "uma intervenção comportamental". Considerando existir um "sobrediagnóstico" - "isso está escrito, são situações muitas vezes transitórias"-, Guiomar Oliveira destaca, ainda, a "enorme pressão das escolas sobre as famílias, que chegam ao médico e pedem" a prescrição.
É preciso estudar
Pressão e exigência reconhecida por José Boavida Fernandes. Porém, admite "que boa parte da subida" verificada nas vendas" deste fármaco "esteja relacionada com o facto de haver "muitos adultos a fazer medicação". Embora, vinca, "a idade pediátrica seja a mais contemplada".
Dados que o presidente da SPDA considera importante analisar em detalhe, tal como Filipe Glória e Silva: "É necessário uma análise mais detalhada do que o número total de embalagens. É necessário saber quantas crianças estiveram medicadas, com que idade, quantas embalagens por crianças foram dispensadas num ano e quem fez a prescrição".
Os dados avançados pela SPDA aos deputados, quando o tema chegou ao Parlamento em 2019, mostravam que o "número de crianças medicadas com metilfenidato em idade escolar não chegava aos 2%". Filipe Glória e Silva não considera elevado, pois "a prevalência da PHDA nas crianças é de cerca de 5%".
Pediatria
O fármaco mais prescrito na faixa etária dos 10 aos 14 anos
Uma análise feita pelo Infarmed, no ano passado, à prescrição de medicamentos em pediatria no ano de 2021 dava conta de que o metilfenidato tinha sido a substância ativa mais prescrita, naquele ano, na faixa etária dos 10 aos 14 anos. Conforme o JN noticiou à data, naquela franja da população tinham sido prescritas 169 mil embalagens, metade do total prescrito naquele ano em pediatria (até aos 19 anos). Nos restantes grupos etários (5-9 anos e 15-19 anos), o metilfenidato não constava da lista das três principais substâncias ativas mais prescritas. Recorde-se que a dispensa destes fármacos esteve em discussão no Parlamento, com um projeto de lei do PAN que defendia a proibição da prescrição a crianças com menos de seis anos de idade, proposta rejeitada pela maioria dos deputados.
A saber
288 217 embalagens
Em 2022, de acordo com o Infarmed, foram dispensadas mais de 288 mil embalagens de fármacos contendo metilfenidato, prescritos e comparticipados. Superando o máximo que havia sido registado, em 2015, de 283 mil.
Evolução das vendas
A evolução da dispensa dos medicamentos com metilfenidato é vertiginosa. Há 20 anos em 2003, eram vendidas 2597 embalagens. Dez anos depois, em 2013, foram comercializadas 245 984 embalagens.