"Fartos de ser cidadãos de segunda". Pessoas com deficiência protestam frente ao Parlamento

Foto: Centro de Vida Independente/Facebook
Várias dezenas de pessoas com deficiência protestaram, esta quarta-feira, frente à escadaria da Assembleia da República, para mostrar que estão "fartas" de ser tratadas como "cidadãos de segunda" e obrigar o Estado a cumprir a convenção das pessoas com deficiência.
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A ação de protesto, convocada pela associação Centro de Vida Independente (CVI), juntou dezenas de pessoas com deficiência, mas também associados de outros coletivos, algumas figuras públicas e pessoas solidárias com a causa, que se mantiveram no passeio frente à escadaria da Assembleia da República enquanto foi lida a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
"Nós estamos aqui hoje reunidos porque estamos fartos que as nossas vidas sejam adiadas, estamos fartos de não poder exercer os nossos papéis sociais, estamos fartos de nos sentir todos os dias cidadãos e cidadãs de segunda vida, estamos fartos de não poder privar com os nossos pares, estamos fartos de não poder usufruir das nossas famílias, dos nossos amores, em plena igualdade com as outras pessoas", explicou à Lusa a presidente da CVI.
Sobre a leitura na íntegra da convenção, Diana Santos disse que serviu para que o Estado português perceba que tem de a cumprir, uma vez que a ratificou, criando leis que vão ao encontro das necessidades das pessoas com deficiência.
A responsável apontou que a ação serve para chamar a atenção para os problemas que persistem com a vida independente, nomeadamente ao nível da assistência pessoal, "um veículo essencial para o exercício da cidadania" das pessoas com deficiência.
"Neste momento ela ainda só existe para pouco mais de mil pessoas em Portugal. Nós exigimos que a portaria seja cumprida e que abram mais vagas em centros de apoio à vida independente, porque existem centenas e centenas de pessoas em lista de espera", denunciou, acrescentando que é preciso que a medida tenha âmbito nacional.
Referiu que não há centros de apoio à vida independente em Leiria e na Covilhã e que em Lisboa, onde "existe mais população de pessoas com deficiência", existem apenas dois.
Uma assistente pessoal presente na ação de protesto falou com a Lusa sobre a falta de regulamentação da profissão, a ausência de uma carreira e trabalhar com um contratos precários, a receber mensalmente pouco mais do que o salário mínimo nacional.
Benilde, 60 anos, explicou que os assistentes pessoais são contratados pelas instituições que gerem os centros de apoio à vida independente, pagos através da Segurança Social.
"A verdade é que estamos há nove anos com o mesmo salário, sem haver uma resposta profissional, sem haver um vínculo", criticou, acrescentando que dá assistência pessoal a cinco pessoas e trabalha 40 horas semanais.
Apesar das dificuldades, admitiu que permanece porque é mãe de uma pessoa com deficiência e revê-se "na íntegra neste projeto": "gosto de fazer a diferença na vida do outro, sinto-me preenchida ao executar esta profissão, gostaria muito que ela realmente fosse reconhecida, é para isso que trabalho diariamente", disse.
A presidente do CVI disse à Lusa que os transportes são "uma questão essencial": "Uma pessoa, por exemplo, que viva no interior, está prisioneira da sua própria aldeia, cidade, e, portanto, isto é altamente castrador para quem quer ter liberdade para só existir".
Alertou também para o receio de retrocesso em algumas medidas, admitindo "muito medo" quanto à possibilidade de perderem direitos.
"A AD [Aliança Democrática] lançou uma proposta no Orçamento de Estado para que pudesse começar a haver condição de recurso para o acesso à assistência pessoal. (...) Se a assistência pessoal é o que nos permite trabalhar, se nós pagamos para ter este recurso, somos confinados à pobreza", criticou.
Inicialmente estava previsto que a ação de protesto se prolongasse com uma vigília, como forma de "exigir uma reunião urgente" à secretária de Estado da Ação Social e Inclusão, mas entretanto a vigília foi desconvocada depois de a governante ter marcado a reunião para hoje, às 18.45 horas.
