O "instituto de afetos" praticamente não é usado, ao contrário do acolhimento residencial. Juízes pedem divulgação de medida desenhada para durar toda a vida.
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No ano de pandemia, quase desapareceu a figura do apadrinhamento civil, uma medida de proteção de crianças e jovens em risco. Nas comarcas do país, o número das medidas decretadas caiu dois terços, comparando com o ano anterior. O "instituto de afetos", não remunerado, como lhe chama o juiz desembargador Paulo Guerra, é uma alternativa à adoção ou à institucionalização. Mas, lamenta Artur Cordeiro, juiz presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, tem "muito pouca aplicação prática".
Em 2020, nas 23 comarcas portuguesas, foram decretados nove apadrinhamentos civis - muito abaixo da média de cerca de 30 de anos anteriores. Em 14 comarcas não houve uma única destas medidas decretadas e, no juízo de Beja, "nunca existiu nenhum processo dessa natureza", de acordo com o juiz presidente da comarca, António Joaquim Silva. E, desde 2012 quando entrou em vigor, só 248 tiveram luz verde. Por comparação, só no ano passado, 562 menores foram colocados em respostas residenciais. O número total tem diminuído, mas, em 2019, ainda ultrapassava as seis mil crianças e jovens.
6 propostas, só 2 ok
A falta de divulgação da medida junto das comissões de proteção de crianças e jovens (CPCJ) e dos tribunais, mas também dos potenciais padrinhos civis, será a principal razão pela qual esta figura é tão pouco utilizada.
"O Estado nunca fez o que lhe competia - nunca publicitou devidamente esta providência tutelar cível", lamenta Paulo Guerra. Veja-se o exemplo de 2020: as CPCJ propuseram apenas seis apadrinhamentos civis - e só dois foram decretados. Note-se que, além das comissões de proteção de menores, pode ser pedida também pelo Ministério Público ou pelos próprios pais.
O presidente da comarca de Lisboa, onde foram decretados dois apadrinhamentos em 2020, apoia-se na sua experiência para afirmar que a medida é mais comum "quando já há uma relação entre a criança e o futuro padrinho".
No entanto, logo à partida, há poucos candidatos a padrinho, nota Paulo Guerra: "Há que os saber recrutar e seduzir para esta nobre tarefa, dar-lhes incentivos sociais", até porque não é remunerado.
Ilustrativo é o caso da comarca de Faro. O juiz presidente, Henrique Pavão, assegura haver juízos de família e menores aos quais a Segurança Social nem disponibilizou uma lista de candidatos a padrinho civil.
O apadrinhamento civil ajusta-se aos menores que não têm segurança na família biológica, mas para os quais a adoção não é a melhor resposta.
Foi criada em 2009 para evitar que sejam entregues a residências, ou retirar quem já está institucionalizado, e está pensado para menores a partir dos seis anos, já que, para os mais jovens, se privilegia o acolhimento familiar.
A quem se destina
Aos menores que não podem regressar à família biológica nem reúnem condições para a adoção. O objetivo é que cresçam num ambiente de família, não numa instituição residencial.
Ter uma nova família
O menor vive com a família do padrinho, mas não perde os laços com a família biológica - ou seja, as duas famílias mantêm contacto.
Padrinho habilitado
Para ser padrinho, tem de habilitar-se na Segurança Social ou Santa Casa.