Governo estuda incentivos para obstetras do SNS que podem superar remuneração no privado
A Comissão de Saúde Materna, da Criança e do Adolescente entregou ao Ministério da Saúde uma proposta de retribuição por incentivos para fixar ginecologistas e obstetras no SNS, com valores que poderão ultrapassar os do privado. A par disto, o projeto de referenciação pela linha SNS Grávida será alargado a todo o país.
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A proposta enquadra-se no modelo dos centros de responsabilidade integrados (CRI) de segunda geração que, a par dos indicadores de produção, prevê outros como a acessibilidade aos cuidados de saúde, o compromisso de ter a urgência aberta, condições de trabalho com dignidade e humanismo, explicou ao JN Alberto Caldas Afonso, presidente da Comissão de Saúde Materna, da Criança e do Adolescente.
Os profissionais que aderirem ao modelo recebem uma remuneração base e incentivos pelos indicadores cumpridos. "Se atingirem os indicadores, penso que poderão ultrapassar os valores pagos no privado", afirmou o médico também diretor do Centro Materno-Infantil do Norte. Além de recuperar especialistas que saíram para o privado e evitar que outros façam o mesmo caminho, o objetivo do novo modelo é também atrair os prestadores de serviço, que trabalham à hora em vários hospitais do país, para integrarem os quadros de hospitais.
Segundo Caldas Afonso, a proposta prevê avançar primeiro com um projeto-piloto, em quatro ou cinco unidades locais de saúde, para depois estender ao resto do país. O presidente da Comissão acredita que, por estar enquadrada num modelo que já existe - os CRI de segunda geração - estará em condições de avançar ainda com este Governo.
Sem medidas, verão será pior
"Uma coisa eu sei: se não for feito, vamos ter um verão pior do que nos anos anteriores", avisa.
A par desta proposta, o projeto-piloto que obriga as grávidas a ligarem para a linha SNS Grávida antes de se deslocarem à urgência, e que começou em meados de dezembro, vai ser alargado a todo o país, como já estava previsto se os resultados fossem positivos.
Segundo Caldas Afonso, registou-se uma redução em cerca de 25% das idas às urgências de Ginecologia e Obstetrícia, o que justifica o alargamento. "Houve uma recolocação da resposta para os episódios em que a urgência não era o local de atendimento adequado", sublinhando, explicando que tal resultou num aumento da carga horária dos profissionais para o bloco de partos.
Não há data certa para a extensão do projeto, mas "as ULS podem avançar por iniciativa própria", adiantou o médico.
As duas medidas são complementares e visam estancar a debandada de especialistas em Ginecologia e Obstetrícia nos últimos anos do SNS para o setor privado.
Segundo Caldas Afonso, em 2017, havia 1400 obstetras no país, dos quais 700 no SNS e 38% em exclusivo no privado, num ano em que se registaram cerca de 86 mil nascimentos. Com um número idêntico de partos, em 2023, havia 1910 obstetras, dos quais 760 no SNS e 45% no privado.
"O número relativo de médicos que foram para o privado aumentou", refere o presidente da comissão, admitindo que boa parte saíram quando terminaram as parcerias público-privadas (PPP) em Lisboa e Vale do Tejo e também em Braga.
Lei da violência obstétrica é "dar tiros nos pés"
As decisões políticas têm consequências e na perspetiva de Caldas Afonso continuamos "a dar tiros nos pés" ao aprovar na Assembleia da República leis como a da violência obstétrica.
Em causa, o diploma publicado a 31 de março que pretende proteger os direitos das utentes na gravidez e no parto e que já foi fortemente criticado pelas ordens dos médicos e dos enfermeiros. Uma das partes mais polémicas do texto determina penalizações aos hospitais e aos profissionais de saúde que realizem "episiotomias de rotina [corte nos tecidos vaginais durante o parto] e outras práticas reiteradas não justificadas".
Para Caldas Afonso, esta lei "vai criar muita litigância" e levar "mais profissionais a sair do SNS". Além do mais, acrescenta, baseia-se em factos científicos errados e que já foram desmentidos.