Efeitos da polémica entre Costa e Pedro Nuno Santos preocupam PS e há quem já prometa questioná-los na Comissão Nacional.
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Perante um Governo fragilizado, os socialistas estão longe de encerrar a polémica entre António Costa e Pedro Nuno Santos, que rebentou com a publicação e revogação de um despacho sobre os aeroportos de Lisboa. O assunto promete marcar a próxima reunião da Comissão Nacional do PS, em que irão ser pedidas explicações aos dois governantes.
Politólogos também dizem não ter dúvidas de que o conflito fragilizou o Executivo. Já no caso do ministro das Infraestruturas, admitem que avançar com um despacho sem esperar pelo consenso com o PSD é uma posição que tem apoio no partido. E acreditam que não foi demitido pelo primeiro-ministro numa lógica de manter os adversários internos por perto.
Num fim de semana de congresso do PSD, os socialistas adiaram uma semana a Comissão Nacional, para dia 9. No partido, o sentimento transmitido ao JN é o de preocupação perante um Governo cuja imagem sai prejudicada com a desautorização de Pedro Nuno Santos por parte de António Costa, que não o demitiu apesar de dizer que cometeu um "erro grave".
Mesmo assim, no caso do ministro das Infraestruturas, que em sete anos de Governo teve vários conflitos com Costa, as opiniões dividem-se entre quem julga que sai muito fragilizado e quem considera que o pedido de desculpas, com uma suposta humilhação, não será prejudicial às suas ambições de liderar o PS, enquanto candidato mais encostado à Esquerda. Uma coisa é certa: querem tirar a limpo uma história mal contada.
Entretanto, na quarta-feira, é debatida a moção de censura ao Governo anunciada pelo Chega. Outros partidos fizeram pedidos urgentes, como a Iniciativa Liberal, para audição do ministro no Parlamento, e o CDS, para uma audiência em Belém. Já o presidente eleito do PSD, Luís Montenegro, abriu a porta ao diálogo com o Governo, mas que "o PSD não é nem será a muleta do Governo quando é confrontado com a sua incompetência". Classificou o episódio como "inusitado, a mais estranha e a mais explicada briga entre um primeiro-ministro e um ministro de toda a história democrática".
Dentro do PS, as vozes discordantes de Costa também não estão satisfeitas. "Na reunião da Comissão Nacional, vou pedir explicações aos dois principais protagonistas" desta polémica, disse ao JN o dirigente socialista Daniel Adrião, líder de uma tendência alternativa. A seu ver, o que aconteceu "fragiliza não só o ministro, como o Governo no seu conjunto", cuja "imagem sai prejudicada com este episódio rocambolesco" e "muito grave", em que Pedro Nuno Santos foi forçado a revogar o despacho por António Costa, que, por sua vez, levou um puxão de orelhas do presidente, destacou Daniel Adrião.
O despacho já foi revogado e o PS irá esperar pelo PSD para consensualizar, como prometeu Costa e exigiu Marcelo Rebelo de Sousa. Mas o dirigente crê que "o dossiê do aeroporto está seriamente comprometido". E culpa o "esvaziamento do debate interno".
Consensualizar com todos
Por sua vez, Álvaro Beleza, dirigente e antigo candidato a líder, apela ao "senso patriótico" de Governo e Oposição. O presidente da Associação de Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) nota ainda que "Portugal precisa de um novo aeroporto e a escolha do local deve ser consensualizada entre os dois maiores partidos", mas também com os restantes. "É melhor decidir de forma razoável do que esperar" para alcançar "o ótimo", disse Álvaro Beleza ao JN. Do mesmo modo, quer os aeroportos de Porto, Lisboa, Beja e Faro "em rede" e ligados por ferrovia.
O JN ouviu também dois politólogos (ver página ao lado). Viriato Soromenho-Marques, professor da Universidade de Lisboa, e José Palmeira, docente da Universidade do Minho, estão certos de que o Governo ficou fragilizado. Viriato Soromenho-Marques diz que Costa considerou "mais prudente manter o ministro rebelde dentro" do Governo. E José Palmeira crê que Pedro Nuno Santos não perde força no PS porque agrada aos socialistas.
Outros dossiês difíceis do ministro
- O plano de reestruturação da TAP, que Pedro Nuno Santos tentou que fosse votado no Parlamento antes de ser entregue em Bruxelas, é um dos dossiês mais difíceis. Num Governo sem maioria parlamentar, no final de 2020, a votação foi travada por Costa e pela líder da bancada, Ana Catarina Mendes. Mas são inúmeras as tensões com a TAP, desde logo nos apoios do Estado, nos prémios a altos dirigentes e salários dos pilotos, e com a Ryanair, sem esquecer os conflitos com o maior acionista da Groundforce, Alfredo Casimiro.
- Pedro Nuno Santos apresentou o Plano Ferroviário Nacional em abril de 2021. Já no mês passado, o ministro prometeu que a linha ferroviária de alta velocidade será transformadora para cidades como Leiria, Coimbra, Aveiro e Braga, bem como para um conjunto de cidades do interior.
- A regulamentação de vários pontos da Lei de Bases da Habitação foi aprovada no ano passado. O compromisso para esta legislatura passa por criar um parque público de habitação robusto e que responda às necessidades da população. Simultaneamente, quer fomentar, junto com o setor privado, a oferta no mercado de mais casas a preços acessíveis. Também para esta área, o Governo aposta no Plano de Recuperação e Resiliência.