A ministra dos Assuntos Parlamentares negou, esta sexta-feira, que qualquer membro do Governo tenha incorrido em ilegalidades no caso das alegadas incompatibilidades de ministros e secretários de Estado. No Parlamento, Ana Catarina Mendes acusou o Chega - que agendou a discussão - de querer promover a "desinformação" e o "ruído", lançando "um anátema" sobre as instituições democráticas. O partido de extrema-direita pediu as demissões dos envolvidos e o PSD deixou críticas ao presidente da República.
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"Não há, nos casos que nos trazem aqui, nenhuma violação da lei", afirmou e repetiu a ministra, recebendo palmas da bancada do PS. "Os deputados do Chega demonstram, mais uma vez, que a sua batalha não é pela transparência nem pela democracia; é um combate pela desinformação", sustentou.
Ana Catarina Mendes salientou também que todos os contratos públicos estão disponíveis online. "Por força da lei, todas as declarações de rendimentos, património, incompatibilidades e impedimentos, bem como registos de interesse, são entregues ao Tribunal Constitucional (TC) e estão publicados na Internet, disponíveis a todos" e possibilitando o escrutínio. "É a democracia a funcionar", considerou.
A governante referiu que, quando surgiram dúvidas sobre a lei em causa, o Governo solicitou um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Ana Catarina Mendes considerou que o referido documento mantém "toda a atualidade", apesar de ter sido emitido antes da vigência da legislação atual, de 2019, e de ser relativo ao diploma de 1993.
André Ventura, líder do Chega, citou os casos dos ministros Pedro Nuno Santos, Ana Abrunhosa, Manuel Pizarro e Elvira Fortunato, bem como o da secretária de Estado das Pescas, para afirmar: "Os ministros violaram a lei hoje em vigor e devem ser demitidos das suas funções".
O deputado também garantiu que o parecer em que o PS se sustenta "não se aplica a esta legislatura", ouvindo, mais tarde, a ministra insistir que o parecer é aplicável "a todos os casos" mencionados pelo Chega.
Dirigindo-se a PSD e IL, Ventura disse ser "particularmente incompreensível" que partidos de Direita não queiram alterar a lei o quanto antes. E também criticou Marcelo Rebelo de Sousa, por este ter pedido que o Parlamento corrija o "emaranhado legislativo" da lei das incompatibilidades: "O presidente da República decidiu vir mais uma vez a jogo, infelizmente não para chamar o Governo à responsabilidade, mas para lhe dar cobertura", defendeu.
PSD critica argumento "risível" de Marcelo
Embora o PSD não tenha subscrito boa parte das observações do Chega, também mostrou desagrado com o pedido do chefe de Estado. Isto porque, no entender da social-democrata Sara Madruga da Costa, "a lei é claríssima e não suscita quaisquer dúvidas interpretativas", ao contrário do que afirmou Marcelo.
"A lei só precisa de ser aplicada e cumprida", insistiu a parlamentar, dirigindo-se tanto ao PS como ao chefe de Estado. Também classificou o argumento do suposto "emaranhado legislativo", utilizado por Marcelo, como "risível".
Sara Madruga da Costa acusou ainda o PS de exercer um "poder absoluto" e de ver a lei como "um mero detalhe". É isso que leva os socialistas a "fustigar" o país com o conteúdo de um parecer que, no seu entender, não dá cobertura às alegadas incompatibilidades.
Pouco antes, a também social-democrata Emília Cerqueira tinha responsabilizado o Governo pelo facto de a Entidade da Transparência, criada por lei em 2019, continuar sem existir na prática. A deputada mostrou-se igualmente desagradada com a possibilidade de se alterar a lei das incompatibilidades "à pressa".
Rodrigo Saraiva, líder da bancada da IL, usou precisamente a mesma expressão para pedir que o Parlamento revisite a lei de forma "serena", de modo a que se garantam "os princípios da transparência". Rever a lei "à pressa" seria "um erro", considerou.
Independentemente disso, os liberais entendem que, a terem existido ilegalidades, elas devem ter consequências. "A lei existe. Cumpra-se, goste-se ou não se goste dela", afirmou Rodrigo Saraiva, lembrando que o parecer citado pelo PS sugeria que as situações fossem esclarecidas junto do TC. Não o tendo feito, os socialistas ficaram três anos "a cozer vários governantes em banho-maria", frisou.
Problema não é familiar, mas de "promiscuidade"
À Esquerda, o líder parlamentar do BE criticou o Chega por agendar este debate quando, lá fora, surgem notícias que dão conta de que há supermercados a colocar alarmes em latas de atum, de modo a evitar roubos de quem já não tem dinheiro para comer. "O Parlamento vai passar uma manhã sem discutir isto", descurando assim um "problema concreto do empobrecimento do país", lamentou Pedro Filipe Soares.
O bloquista acusou o Chega de "tentar substituir-se ao TC e ao Ministério Público", as entidades que têm "o poder de fiscalizar" os ministros. Também criticou Marcelo, considerando que "não é sério" o presidente "indicar um conjunto de leis já revogadas" para poder dizer que há um "emaranhado legal". Pedro Filipe Soares argumentou que a lei "é clara", mas admitiu que "pode ser melhorada para ser ainda mais restritiva".
Bruno Dias, do PCP, vincou que o cerne da questão das incompatibilidades não está nas relações familiares, mas sim na "promiscuidade": "Não foi preciso que um membro de um Governo fosse da família Espírito Santo para o Grupo Espírito Santo ser beneficiado", referiu, acusando o Chega de promover uma "indignidade lamacenta" pelo modo como enquadrou o debate.
Já Paula Santos, a líder parlamentar, considerou que o Governo deve explicar-se, "para que não fique qualquer dúvida" sobre se houve ou não irregularidades. A deputada comunista reconheceu que "há sempre possibilidade para aperfeiçoamento da legislação", mas realçou que a lei em vigor tem de ser "cumprida por todos". Também quis que o PS respondesse diretamente se aceita alterar a referida lei.
PS aceita revisitar lei e também deixa reparo ao presidente
A resposta do PS chegou pela voz de Pedro Delgado Alves: "Temos disponibilidade para contribuir para a melhoria da legislação", assegurou o deputado. No entanto, à semelhança do que o PSD e IL já haviam feito, também o socialista pediu que o Parlamento evite atuar "à pressa". Se o processo for desencadeado "ponderadamente", os socialistas aceitarão participar nele "no decurso da legislatura", esclareceu.
Também Delgado Alves fez um reparo à mensagem enviada pelo presidente ao Parlamento, considerando que esta é "especialmente confusa" por citar leis já revogadas. Defendendo-se das críticas do PSD, que acusou o PS de ser o "mentor" da lei agora posta em causa, o socialista recordou que o seu partido não tinha maioria absoluta em 2019, quando ela foi aprovada. Nesse sentido, rejeitou o exclusivo da "paternidade" do diploma.
Inês Sousa Real, do PAN, salientou a importância de se "corrigir" a lei das incompatibilidades, de modo a "ajudar a democracia". Já Rui Tavares, do Livre, sustentou que o Chega não tem legitimidade para promover este debate, uma vez que "nunca esclareceu de onde veio o dinheiro da sua primeira campanha" e "foi legalizado com assinaturas falsas".
Na reta final dos trabalhos, o Chega protagonizou um novo momento de conflito, com o deputado Pedro Frazão a acusar a agora também deputada Marta Temido de não ter "nada que fazer" por não ter escolhido integrar a Comissão de Saúde do Parlamento. O PS repudiou a intervenção e o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, alertou que a observação do deputado "roçou o insulto pessoal".