Idosos são deixados nas urgências por familiares e ninguém os vai buscar. S. João e Lisboa Central percecionam aumento do fenómeno após a pandemia.
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Dois grandes hospitais do país estão a percecionar um aumento dos abandonos de doentes nas urgências. São situações graves, que configuram crime punível com pena de prisão. Os serviços sociais dos centros hospitalares Lisboa Central e de S. João, no Porto, sentem que estes casos são agora mais frequentes do que antes da pandemia.
O Centro Hospitalar e Universitário S. João registou "vários doentes" abandonados na Urgência geral nos últimos anos. Em resposta ao JN, admite ter a sensação de que o fenómeno "aumentou após a pandemia". Não foi por acaso que o presidente daquele hospital, Fernando Araújo, alertou recentemente, num artigo de opinião no JN, para estes casos, fazendo um apelo para que as famílias não abandonem os idosos nos hospitais no período de férias. "Todos os anos esta situação se repete vezes de mais em todo o país. Este verão, não abandone os velhos", pediu.
No Centro Hospitalar Lisboa Central (CHCL) - que integra os hospitais de S. José, Capuchos, Santa Marta, Curry Cabral, Dona Estefânia e a Maternidade Alfredo da Costa - as situações de abandono são detetadas quase sempre após o episódio de urgência.
Detetado após a urgência
"É depois de resolvida a fase aguda e durante o processo de internamento que os profissionais se apercebem de cenários que podem configurar abandono e/ou maus-tratos (decorrentes desse eventual desinteresse e desresponsabilização)", refere o CHLC.
Estes casos são notificados ao Instituto da Segurança Social, ao Ministério Público ou à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, explica o hospital, admitindo que "a perceção é a de que estas situações são mais frequentes do que no passado".
No Algarve, os casos de abandono são mais frequentes, mas a tendência é estável. No único centro hospitalar da região, que inclui as unidades de Faro e de Portimão, registaram-se seis casos de abandono de doentes nas urgências este ano, um número idêntico ao de anos anteriores, refere a instituição em resposta ao JN.
Também o Hospital de Gaia registou casos de abandonos desde o início do ano. Foram dois, um número "semelhante ao passado". Em Braga, a situação não é tão expressiva: há registo de um caso nos últimos dois anos. Em Lisboa, o Centro Hospitalar Lisboa Norte - integra os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente, assegura que os abandonos não chegam a um por ano. Em Coimbra, o centro hospitalar diz que não teve conhecimento de abandonos na Urgência no primeiro semestre de 2022.
Crime
Até 5 anos de prisão
O abandono de uma pessoa por quem tem o dever de a guardar, vigiar e assistir configura um crime tipificado no Código Penal e punido com pena de prisão de um a cinco anos. Se o facto for praticado por ascendente ou descendente, adotante ou adotado da vítima, a pena é agravada para dois a cinco anos.
Medidas em 2015
Em 2015, o Governo de Passos Coelho aprovou a Estratégia de Proteção ao Idoso, que recomendava alterações ao Código Penal no sentido de prever o crime de abandono de idosos em hospitais. Levantaram-se dúvidas sobre a necessidade das alterações, uma vez que o crime de abandono já estava na lei, e as alterações não avançaram.