Hospitais do Porto e de Lisboa têm casos de idosos que ficaram mais de um ano à espera de respostas. Sem condições para voltarem a casa, utentes ocupam centenas de camas no SNS sem necessidade.
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Entram nos hospitais por questões de saúde, mas ficam internados meses a fio sem necessidade, por falta de vaga em lar ou em cuidados continuados. Regra geral, são idosos vulneráveis, com parcos recursos e sem retaguarda familiar que lhes permita regressar a casa. Ficam expostos a riscos de infeção, custam milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde e congestionam os internamentos, com prejuízo de outros doentes. O problema arrasta-se há anos, melhorou nos meses críticos da pandemia, mas voltou a ser o que era. Os hospitais pedem soluções integradas e urgentes.
Numa ronda por alguns dos principais hospitais do país, o JN constatou um problema transversal, que decorre do envelhecimento da população - com o consequente aumento das doenças e dependência - e que esbarra na falta de respostas sociais e de continuidade de cuidados.
Os serviços sociais dos hospitais desdobram-se em contactos, procuram apoio de vizinhos e de instituições da comunidade, mas nem sempre conseguem. E os números falam por si.
No Hospital de Braga estavam internados, no final de agosto, 33 utentes a aguardar vaga em cuidados continuados, 11 em lar residencial e um em situação de abandono familiar e com processo de maior acompanhado em curso. "O número de doentes nestas circunstâncias [45] condiciona as vagas de internamento disponíveis para o tratamento de doentes agudos", refere a unidade, adiantando que tem recorrido a camas em unidades externas.
495 dias à espera de sair
No mesmo período, no Hospital de S. João, no Porto, estavam internados 24 doentes por questões sociais, dos quais 21 à espera de resposta em estrutura residencial para idosos, um em lar e outros três em centro de acolhimento em emergência social. Em média, ficam 61 dias à espera de resposta. O caso mais grave foi de um utente que ficou 495 dias internado sem necessidade clínica. E as consequências são conhecidas: "Em geral, assiste-se a uma deterioração cognitiva e ao aumento do risco de infeções nosocomiais, que torna mais difícil a reinserção social", refere o S. João, apontando a demora de resposta da Segurança Social como "o principal motivo" para o protelamento prolongado das altas.
Idosos sem dignidade
O hospital defende estratégias integradas que "respondam de forma urgente, ao invés da manutenção de respostas compartimentadas, e que ofereçam soluções reais". Em suma, diz, "a sociedade não está a tratar os idosos com dignidade".
No Hospital de Gaia, estavam internados 20 utentes e no Hospital Pedro Hispano havia, no final de agosto, "27 situações de protelamento de alta por motivo social", duas das quais se arrastam desde o ano passado.
Os números não incluem os doentes à espera de cuidados continuados. Portanto, só para resposta em lar ou serviço de apoio ao domicílio da Segurança Social, a espera média em Matosinhos é de 100 dias.
No Centro Hospitalar Lisboa Norte, que integra o Hospital de Santa Maria, havia, no final de agosto, 30 doentes a aguardar resposta social, dos quais 23 em camas de retaguarda. Esperam em média 43 dias, mas o hospital já manteve uma idosa internada 745 dias, a aguardar despacho do Ministério Público. Os utentes sem ninguém responsável ou que os represente e sem capacidade de decisão são sinalizados ao Ministério Público para eventual interdição e estes processos também são morosos. No Centro Hospitalar Lisboa Central, que integra o S. José, a área de apoio social acompanha em média 30 doentes por mês internados por razões exclusivamente sociais. "São casos de estadias quase sempre bastante prolongadas", reconhece o hospital, dando o exemplo de um doente que teve alta clínica em dezembro de 2020, mas só saiu do hospital em março deste ano, num total de 15 meses internado indevidamente.
Também no interior
O problema não é exclusivo das grandes cidades. Nos primeiros sete meses deste ano, o Centro Hospitalar do Médio Tejo - hospitais de Abrantes, Tomar e Torres Novas - teve 47 doentes com alta protelada por motivos sociais (sem incluir as propostas para os cuidados continuados), referiu ao JN.
O protelamento de alta mais longo em 2022 foi de 123 dias, mas em 2021 houve um utente que ficou no hospital 240 dias por falta de vaga em cuidados continuados de Saúde Mental. O JN questionou o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho, Segurança Social e Solidariedade sobre as respostas em lares e cuidados continuados, mas não obteve respostas em tempo útil.