Um estudo do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) identificou 250 mil casas que não estão no mercado de venda ou de arrendamento, mas que se encontram em bom estado e prontas a habitar. As zonas de maior pressão imobiliária são aquelas onde há mais casas vagas, com Lisboa a liderar.
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Ao todo, há 723 215 casas e apartamentos vagos em solo nacional, como mostra o estudo do IHRU sobre territórios com falta de oferta habitacional, publicado esta semana no portal daquele organismo público. Destes imóveis, cerca de metade (348 097) estão disponíveis para aquisição ou arrendamento e os restantes 375 118 estão sem destino atribuído, pois não são casas de primeira ou segunda habitação nem estão à venda ou para arrendar.
Das que estão fora do mercado, 126 584 têm necessidades de reparação, pelo que também não estão disponíveis para habitar. No entanto, há 248 534 que estão prontas a receber moradores. No estudo, o IHRU explica que estas 250 mil casas são sobretudo “alojamentos que estão desocupados por motivo de falecimento do morador” e outros que “aguardam partilha de herdeiros”.
Ao JN, o docente e geógrafo especializado em habitação Luís Mendes adianta outros motivos para a existência de imóveis vagos, como o uso das casas como ativos financeiros e a falta de confiança dos proprietários no mercado.
Mais casas que famílias
Os alojamentos vagos encontram-se sobretudo nos municípios onde também existe maior procura, com destaque para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Deste modo, o relatório conclui que “apesar de os municípios poderem apresentar um excedente de alojamentos, não significa que não se encontrem com pressão urbanística”.
Os dez concelhos com mais casas vagas fora do mercado são Lisboa (21 801), Sintra (8196), Coimbra (7930), Porto (7799), Oeiras (4766), Gaia (4732), Loures (4714), Cascais (4699), Amadora (4153) e Almada (3875).
O IHRU analisou ainda se a oferta está adequada à procura. A nível nacional, existe uma média de 1,4 habitações por cada família e em nenhum concelho há mais agregados familiares do que alojamentos disponíveis, o que mostra que a problemática do acesso a uma casa “não reside no parque habitacional existente”. Aliás, em Portugal, 2,6 milhões de alojamentos encontram-se em situação de sublotação (64% do parque habitacional), e cerca de 500 mil imóveis (13%) estão sobrelotados.
A preços proibitivos
O problema, responde o estudo, está no preço dos imóveis e no rendimento dos portugueses. É que em 164 dos 308 municípios do país, o rendimento mediano concelhio é insuficiente para comprar um imóvel de valor médio sem entrar em sobrecarga financeira. O IHRU considera, neste caso, que a sobrecarga financeira existe quando a taxa de esforço (percentagem de rendimento mensal destinada à prestação da casa) é superior a 35%.
O instituto público fez o mesmo exercício para o arrendamento e o cenário é ainda pior: em 238 concelhos, 77% do total, não é possível arrendar casa ao preço médio, com um rendimento médio desse município, sem entrar em sobrecarga financeira.
Nas recomendações, o IHRU realça que seria importante “promover o aprofundamento do conhecimento sobre os fatores que contribuem para persistência de imóveis vagos, mas com condições de habitabilidade”. Este trabalho “deveria ser desenvolvido em parceria com as autarquias locais, o INE, o LNEC e a comunidade académica”, sugerem.
Alojamento local e vistos gold prejudicaram
O aparecimento de casas destinadas ao alojamento local (AL) e de outras compradas ao abrigo do programa de vistos gold foram dois fenómenos que contribuíram para a crise habitacional em Portugal, diminuindo a oferta de imóveis em zonas pressionadas, concluiu o IHRU, no estudo sobre desigualdades no acesso ao mercado de habitação.
A análise do IHRU concluiu que estes mecanismos produziram “efeitos colaterais no acesso à habitação por parte da população local, ao contribuírem para a redução da oferta”.
Ainda assim, a evidência “sugere que esses impactos são mais significativos em zonas específicas de elevada procura”, nomeadamente nas freguesias centrais de Lisboa e Porto.
O efeito no Porto
A União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória foi, no concelho do Porto, a mais afetada pelo AL e vistos gold. Entre 2011 e 2021, o centro histórico ganhou 4870 alojamentos locais e perdeu 3611 casas. Em face disto, perdeu ainda 1194 agregados familiares no mesmo período.
Atualmente há 114 111 AL em Portugal. Lisboa é o concelho que tem mais, mas é nos municípios do Algarve que a percentagem face aos alojamentos clássicos é maior, o que reflete maior impacto. Quanto aos vistos gold, só funcionaram até 2023. Até lá, permitiram a compra de 11 383 casas de luxo por parte de estrangeiros.
“São transacionados como ativo financeiro"
Luís Mendes é docente e geógrafo do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. Especializado no tema da habitação, explica ao JN porque é que existem tantas casas vazias e em bom estado fora do mercado.
As casas vazias podem ser uma solução para o problema da habitação?
Absolutamente. As 725 mil casas devolutas correspondem a 13% do stock habitacional nacional. Quanto maior for o peso dos devolutos no stock habitacional do município, maior a potencialidade de atenuar a subida das rendas e do valor de compra e venda.
Chegariam para baixar os preços?
Sendo mais do que 5% do stock nacional já teriam um peso que podia influenciar o mercado, baixando os preços sem necessidade de controlo de rendas ou de outras medidas mais intervencionistas.
Porque é que não estão no mercado?
Uma parte está bloqueada por heranças indivisas e dificilmente será resolvida sem uma mediação imobiliária importante. Outro problema estrutural é que o Estado não tem por procedimento injetar capital ou ajudar ao investimento dos privados para reabilitarem. Também existe falta de confiança da maior parte dos proprietários no Estado. Outro fator estrutural é a especulação imobiliária.
Que tipo de especulação imobiliária?
Nós temos hoje grandes atores internacionais que compram fogos usados e sem função porque estão no mercado transnacional de fluxos de capital. Portanto, estão sempre a ser transacionados como um ativo financeiro sem que tenham gente lá a habitar.
Porque diminuiu o parque habitacional público na última década?
Estamos a assistir a uma diminuição do parque imobiliário público, não porque ele deixa de existir, mas porque é alienado.