Rastreios continuam sem data. No ano passado, no mesmo período, diagnosticaram-se mais de 600 situações.
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A suspensão dos rastreios do cancro da mama do Norte estará a deixar centenas de casos por detetar. O serviço está inativo há seis meses. Neste mesmo período do ano passado, entre março e setembro, dos 91 100 exames de rastreio realizados, 762 mulheres foram encaminhadas para o hospital para exames complementares. Destas, cerca de 80% (mais de 600) tinham mesmo cancro.
Para recuperar o tempo perdido e conseguir-se manter os níveis alcançados pelo Núcleo Norte da Liga Portuguesa contra o Cancro - que fez diminuir até 25% a taxa de mortalidade do cancro da mama - Vítor Veloso, presidente da instituição - estima que sejam precisos "dois a três anos". Até porque, com esta paralisação forçada, deixaram de ser feitos cerca de mil exames por dia, ficando 110 mil mulheres sem serem rastreadas.
600 casos de cancro da mama detetados por ano. Ou seja, 11 por dia. Só no Norte, são diagnosticados 1450 novos casos opor ano e morrem cerca de 350 mulheres.
Os rastreios no Norte foram suspensos em março, por conta da pandemia. Mas, enquanto no resto do país já estão a ser feitos desde a segunda quinzena de junho - uma vez que as ARS do Centro, Lisboa e Vale do Tejo e a do Alentejo não estavam dependentes de processos de renovação de contratos - no Norte continua sem se saber quando serão retomados: continua a faltar a assinatura do protocolo entre a Liga e Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-Norte).
Aliás, desde julho, altura em que o JN denunciou esta situação, já foram avançadas várias datas. A última das quais dava conta que o protocolo seria assinado "ainda no decorrer do mês de setembro".
Transposto mais um prazo, fonte da ARS-Norte acredita que a assinatura do protocolo - ultrapassada que está a aprovação do orçamento em Conselho de Ministros (no passado dia 10) e sequente publicação em "Diário da República" - "esteja por dias".
Mas, ainda "sem novidades" por parte da ARS-Norte, Vítor Veloso confessou ao JN que este é um assunto que, enquanto não ficar resolvido, o vai "atormentar todos os dias". "No meio deste adormecimento da Função Pública, o que me preocupa são os doentes", sublinhou. E acrescentou: "A desculpa é a covid-19, mas o problema é que comparando o mês de setembro de 2019 com o deste ano, mais gente morreu com problemas cardíacos, cerebrais e de cancro e esses números são muitos mais elevados do que os da pandemia".
Níveis de adesão
Vítor Veloso lembra que os níveis de adesão aos rastreios do cancro da mama no Norte ronda os 70%/80% e, por isso, admite "reforçar o serviço por turnos", mal possam retomar a atividade.
Com 19 unidades de rastreio (15 móveis e quatro fixas) no Norte, por agora está fora de questão a compra de uma nova, cujo preço ronda os 400 mil euros.
O responsável mostra-se ainda preocupado com a despesa de "centenas de milhares de euros" que a Liga está a ter todos os meses com os 55 funcionários e mais de 20 médicos.
Concelhos afetados
Na altura da suspensão do rastreio, o serviço realizava-se, no Norte, nos concelhos de Peso da Régua, Feira, Vinhais, Valença, S. João da Madeira, Vila Real, Guimarães, Marco de Canaveses, Valongo, Matosinhos, Braga, Gaia, Viana do Castelo, Famalicão, Felgueiras, Paredes, Vila do Conde e Póvoa de Varzim.
Privado é alternativa
Quem precisa e pode vai fazer os exames em unidades privadas.
Perguntas e Respostas
O que é o programa de rastreio?
O rastreio de cancro da mama foi iniciado na Região Centro e generalizou-se ao resto do país. Tem permitido o diagnóstico de centenas de cancros em fase inicial e, consequentemente, curáveis ou controláveis.
Qual o objetivo?
Com o rastreio do cancro da mama pretende-se não só um diagnóstico precoce, descobrindo tumores muito pequenos, muitas vezes não palpáveis e só vistos em mamografia ou ecografia ou em fase evolutiva não invasiva, permitindo assim tratamentos menos mutilantes (cirurgia conservadora) e menos traumatizantes e uma sobrevida livre de doença e global mais longa. Por exemplo, para melhor avaliação da importância do rastreio, bastará comparar um tumor que tenha menos de dois centímetros de diâmetro tem uma sobrevida aos 10 anos de 85% e um tumor disseminado, com lesões noutros órgãos terá uma sobrevida aos 10 anos menor de 15%.
Como se escolhe quem realiza os rastreios e com que regularidade são feitos?
Utiliza-se sobretudo unidades móveis que se deslocam de dois em dois anos aos concelhos e unidades fixas. São enviadas cartas-convites às mulheres em idade rastreável (50-69 anos) inscritas nas unidades de Saúde para realizar uma mamografia (o exame é gratuito).
Quais os resultados?
A nível nacional (e até 2018) foram realizados mais de quatro milhões de mamografias de rastreio e encaminhadas para diagnóstico e tratamento mais de 19 mil mulheres, o que permitiu um tratamento menos agressivo, mais eficaz e, mesmo em muitos casos, a cura total.
Os rastreios são feitos em todo o país?
O Programa de Rastreio de Cancro da Mama (desenvolvido em estreita colaboração com os Cuidados de Saúde Primários e envolvendo a Liga Portuguesa Contra o Cancro) cobre atualmente toda a Região Centro do país (78 concelhos), bem como os distritos de Beja, Braga, Bragança, Évora, Portalegre, Santarém, Viana do Castelo e Vila Real, a maioria dos concelhos do distrito do Porto, o concelho de Azambuja (Lisboa) e os concelhos de Alcácer do Sal, Sines, Grândola e Santiago do Cacém (Setúbal). No Algarve, o programa de rastreios não envolve a Liga.