O ano que agora deixamos para trás ficará para sempre na História. Pela pandemia e pelo que ela escreveu nas nossas vidas.
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Na demografia deixará vários recordes. Com o maior número de mortes dos últimos cem anos. Impactando no saldo natural. Se o inverno demográfico era uma evidência, a covid-19 veio agravá-lo.
De acordo com os dados de ontem do eVM (sistema de vigilância da mortalidade em tempo real que analisa os certificados de óbito) contam-se mais de 123 mil mortes (123667) no ano que agora findou. É o valor mais alto desde 1920.
De acordo com os arquivos do Instituto Nacional de Estatística (INE), naquele ano morreram 144 mil pessoas. Ano que se seguiu aos dois mais negros de que há registos e que se explicam pela gripe espanhola, uma das pandemias mais mortais na história da Humanidade. Em 1918, os óbitos atingiram os 253 mil e, no ano seguinte, os 154 mil.
Se algumas certezas temos de 2020, diz ao JN a demógrafa Maria João Valente Rosa, é que iremos "bater o recorde de óbitos (pós-1960) alguma vez registado em Portugal". Analisando os dados a partir de 1960 (e, desde então, sistematizados pelo INE), é o número mais alto.
O pior ano havia sido 2018, com 113051 óbitos, menos quase 11 mil do que o valor agora registado. Ano em que, ao envelhecimento da população, se juntou uma onda de calor. Ingredientes que se repetiram em 2020, agravados pela pandemia. Pelos óbitos causados pelo vírus, mas, sobretudo, pelos ditos colaterais. Com a covid-19 a responder por cerca de metade do total de excesso de mortalidade.
Saldo natural afunda
Tão elevada mortalidade impacta, negativamente, nas contas demográficas do país. Com a maior diferença desde 1960 entre nados-vivos e óbitos (saldo natural). Até novembro, e cruzando os dados do teste do pezinho com os óbitos do eVM, Portugal registava um saldo natural negativo de -32369. Ultrapassando o pior saldo registado até então: em 2018, -26 mil (ver infografia). Em 1918, negativou nos -72 mil.
De acordo com a informação do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, nos 11 meses do ano passado tinham sido estudados 78374 recém-nascidos, no âmbito Programa de Rastreio Neonatal, menos 2340 bebés do que em período homólogo de 2019.
O impacto da pandemia na natalidade só se fará sentir ao longo do ano que agora inicia. E se os dados apontam para uma descida em 2020, tudo indica que se agravará em 2021. À semelhança, aliás, do verificado na crise de 2013, com Portugal a registar o valor mais baixo de sempre de nascimentos no ano seguinte (82367 bebés).
O ano que agora deixamos para trás ficará para sempre na História. Pela pandemia e pelo que ela escreveu nas nossas vidas.
"É expectável que, em 2021, se venha a registar uma diminuição significativa nos nascimentos" devido à pandemia, diz Maria João Valente Rosa. Naquilo que se traduz num "novo adiar de maternidade, que, nalguns casos, se traduzirá em nascimentos perdidos". Com as portuguesas a terem o primeiro filho cada vez mais tarde (30,5 anos).
Adiamento esse que, tal como aquando da crise económica, se prende com se querer ser mãe nas melhores condições possíveis. "Tem muito que ver com a incerteza do futuro próximo. De emprego. Segundo o inquérito à fecundidade, a estabilidade no emprego é um dos principais motivos desse adiamento", lembra.
Com mais óbitos do que nados-vivos, a balança populacional tem tido nas migrações o seu balão de oxigénio. O segundo maior saldo migratório deste século (mais entradas do que saídas) registou-se em 2019. Não havendo dados para 2020, há evidências: travão na mobilidade.
"Vamos ter uma redução significativa de pessoas estrangeiras que entram e uma grande fatia de portugueses a entrar. As saídas vão refrear-se", diz a demógrafa. Se, em 2019, 80% das entradas foram de estrangeiros, na crise de 2013 ficaram-se pelos 36%. "É expectável que fechemos o ano com menos população".
Explicador
Saldo natural - É a diferença entre o número de nados-vivos e o números de óbitos. Desde 2009 que é negativo, ou seja, são mais os que morrem do que os que nascem. Os dados ainda não estão fechados, mas permitem ver que, em 2020, registaremos o saldo natural mais negativo de sempre, superior a -30 mil.
Saldo migratório - É a diferença entre o número de entradas (imigrantes) e saídas (emigrantes). Tem sido este saldo a compensar a baixa taxa de natalidade, aguentando, assim, o número total de população residente.