Dos quase 10 mil óbitos em excesso registados desde o início da pandemia e até novembro passado, 49% têm como causa direta a covid-19. Proporção que tem aumentado ao longo dos meses, chegando aos 86% em novembro. O medo e a dificuldade no acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) explicarão as 4763 mortes colaterais, ou seja, de causa natural não relacionada com o vírus.
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É isso mesmo que a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) tem estado a analisar, no Barómetro Covid-19, com uma equipa de seis investigadores, liderada pelo professor catedrático Alexandre Abrantes. De acordo com os dados mais atualizados facultados ao JN, entre 16 de março (quando se registou o primeiro óbito por covid-19 em Portugal) e 30 novembro, verificava-se já um excesso de 9268 óbitos, dos quais quase metade por SARS-CoV-2.
Sendo que novembro foi o mês com mais sobremortalidade: do total de 2316 óbitos em excesso, apenas 14% reportavam a mortalidade colateral. Ou seja, por outras causas que não a covid-19.
Calor não justifica
Em sentido contrário, julho ficará como o mês de 2020 com mais mortes colaterais. Dos 1910 óbitos em excesso apurados pela ENSP (calculados com base na média dos últimos cinco anos), o vírus responde por apenas 8%.
Se é certo que, naquele mês - o mais quente dos últimos 90 anos -, Portugal assistiu a três ondas de calor, para aqueles investigadores temperaturas máximas de 36.º C como as registadas "dificilmente podem explicar alterações fisiológicas que causem excessos de mortalidade" daquela dimensão.
Pelo que a "explicação de que os serviços de saúde reduziram o nível de cuidados prestados a doentes agudos e crónicos sem covid-19 continua plausível". Que se traduzem em milhões de consultas presenciais que ficaram por fazer, milhares de cirurgias adiadas, outros milhões de exames e de análises que foram desmarcados e dezenas de milhares de rastreios que não se cumpriram.
A que se junta o medo da população, mais notório no início da pandemia, quando o número de episódios de urgência caiu para quase metade. O certo é que, diz ao JN o investigador Vasco Ricoca Peixoto, "se a pandemia não fosse controlada, os problemas de acesso seriam muito maiores".
O ano da "sindemia"
Por outro lado, prossegue o investigador, mais do que uma pandemia, vivemos um "sindemia". Assim foi batizada pelo diretor do jornal médico "The Lancet", Richard Horton, a sinergia entre a pandemia causada pela covid-19 e as "doenças crónicas (associadas à idade avançada), obesidade e desigualdades sociais", explica Vasco Ricoca Peixoto.
Tudo somado, exacerbou-se a mortalidade. Quando, aliás, partíamos de dois meses (janeiro e fevereiro) com menos óbitos face a 2019.
"Na Europa, foi um dos invernos [2019-2020] com menor mortalidade", afirma o investigador. Em que se protegeram grupos mais vulneráveis que "acabariam por falecer, ao longo do ano, agravado pela covid-19, pelas alterações na oferta e na procura de cuidados de saúde e pelas alterações das doenças crónicas".
Pormenores
Excesso em junho - Junho foi o mês, até novembro, em que a covid-19 mais respondeu pelo total de excesso de mortalidade. Das 170 mortes a mais naquele mês, apenas 3% reportam a mortalidade colateral, de acordo com a análise da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).
Mortalidade investigada - A ENSP, através do Barómetro Covid-19, está a analisar a sobremortalidade em contexto pandémico. A equipa de investigadores - André Vieira, Vasco Ricoca Peixoto, Pedro Aguiar, Giorgio Zampaglione e Paulo Sousa - é coordenada pelo professor catedrático Alexandre Abrantes.
Mortes em dezembro - Do total de óbitos por covid-19 registados em Portugal, só o mês de dezembro responde por 34,8%. Segue-se novembro (28,9%).
350 óbitos diários registados mais de um terço dos dias deste ano em Portugal. O número máximo de mortes verificou-se no dia 14 de dezembro, com 470 óbitos.
578 óbitos - 2 de janeiro de 2017 foi o dia com mais mortes desde que há registos. Nesse ano, a gripe e a vaga de frio foram responsáveis por um excesso de 4467 óbitos.