O Governo vai adotar um regime de "arrendamento compulsivo" das casas devolutas, no quadro do Programa Mais Habitação, obrigando os proprietários a pô-las no mercado. Mas há centenas de imóveis do próprio Estado que estão ao abandono e aos quais tarda em dar uso, mesmo que muitas autarquias já tenham apresentado propostas para o efeito. O JN deixa-lhe aqui alguns exemplos emblemáticos.
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Lisboa
Escola Afonso Domingues abandonada há 13 anos
A Escola Secundária Afonso Domingues, em Marvila, Lisboa, está abandonada desde março de 2010. Em 2009, foi requalificada e equipada com computadores e quadros interativos, mas fechou no ano seguinte para ser demolida e ali construída a terceira ponte sobre o rio Tejo, onde iria passar o comboio de alta velocidade (TGV), projeto que nunca se concretizou. O estabelecimento de ensino existe desde 1884 e é um dos imóveis que o Governo incluiu, em outubro de 2020, na bolsa de imóveis públicos para transformar em habitação acessível. A Câmara de Lisboa diz ao JN que está a trabalhar num projeto para este local, mas não avança qual.
Antigo edifício do Ministério da Educação fechado há cinco anos
O antigo edifício do Ministério da Educação, na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, está fechado desde que mudou de instalações para a Avenida Infante Santo, em 2018. Na altura, o Ministério da Educação disse que o imóvel apresentava problemas infra-estruturais que colocavam em risco a segurança das pessoas e bens e que as instalações estavam subaproveitadas. Em 2022, o Governo anunciou um projeto para o prédio abandonado há cinco anos: uma residência universitária com 500 camas para estudantes. A proposta foi colocada a concurso, no âmbito do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior, tendo entretanto sido reforçado com os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência. A partir de 2020, iniciou-se o processo de licenciamento municipal das obras, que deveriam estar concluídas em julho de 2025, mas não chegaram sequer a arrancar.
Porto
Antiga Direção de Recrutamento Militar devoluta há anos
Localizado nas imediações da Rotunda da Boavista, o prédio foi adquirido pelo Estado em 1976 e tem oito pisos (seis andares à superfície, mais duas caves). Foi ocupado por vários serviços do exército: Centro de Recrutamento do Porto, Direção de Justiça e Disciplina, Direção de Recursos Humanos e Polícia Judiciária Militar.
Devoluto há muitos anos, o edifício foi apontado como solução para a instalação da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que, provisoriamente, está sediada nos antigos contentores do "Joãozinho", no Hospital de São João.
Manutenção militar entregue à droga
À beira-rio, o antigo quartel da Manutenção Militar de Lordelo do Ouro - que já foi Arsenal Real e Trem do Ouro - está devoluto há décadas e tem sido usado como local de consumo e tráfico de droga, o que motivou, há dias, a intervenção da Polícia Municipal, para limpeza e vedação do espaço. O Ministério da Defesa pretende destinar aquele terreno para habitação acessível, envolvendo o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).
Quartel do Bom Pastor devoluto há 30 anos
O antigo quartel do Bom Pastor, em Arca d'Água, que foi deixado vago em 1993, na altura da transferência da Escola Prática de Transmissões para a Circunvalação, está apenas parcialmente ocupado pela Esquadra do Bom Pastor da PSP e pelos serviços do Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA). Grande parte da área do antigo quartel está devoluta há 30 anos.
Antigas oficinas de fardamento: dez anos ao abandono
As antigas oficinas de fardamento e equipamento do exército e o edifício da Manutenção Militar, na Rua da Boavista, estão ao abandono há mais de uma década.
Leiria
Perto de 30 casas devolutas no bairro da prisão de Leiria
Depois de várias tentativas falhadas no passado, o Ministério da Justiça está agora disponível para ceder a gestão de habitações ao município. Das 58 casas do bairro da prisão de Leiria, mais de metade está desocupada. A vereadora Ana Valentim conta que já houve "várias tentativas" para a cedência dos imóveis ao município, mas o Ministério da Justiça "nunca manifestou abertura" nesse sentido.
"A informação que nos foi sempre transmitida é que a tutela não se quer desfazer deste património", adianta a autarca, que lamenta que o Estado "não dê uso às casas nem as ceda".
A vereadora tem, no entanto, esperança que, com o novo programa do Governo Mais Habitação, haja uma "nova postura" por parte da tutela e que se avance com a requalificação e ocupação das casas. "É um importante património que se está a degradar, num momento em que as carências habitacionais são gravíssimas. Não se compreende", desabafa Ana Valentim, assegurando que o município mantém a disponibilidade para assumir a gestão do edificado.
Em resposta a um pedido de esclarecimentos do JN, a tutela adianta que está a ser efetuado um levantamento "exaustivo" do património devoluto da Justiça, nomeadamente aquele que tem fins habitacionais, em articulação com a Secretaria de Estado da Habitação e com os municípios
"Paulatinamente, estão a procurar-se soluções para os vários bairros prisionais existentes", avança o Ministério da Justiça. Segundo a tutela, o de Leiria "apresenta características que justificam a sua inclusão num processo de transferência das competências de gestão para o Município", através do qual a autarquia assuma a recuperação dos imóveis, para colocação em programas de arrendamento acessível.
O ministério adianta que foi já feito o levantamento "detalhado" do bairro prisional de Leiria, em termos de "tipologia, ocupação e estado de conservação", e que estão também em curso trabalhos com alguns municípios como Azambuja e Sintra
Coimbra
Pedíátrico : 12 anos de promessas adiadas
O antigo Hospital Pediátrico de Coimbra está fechado há 12 anos e, desde aí, já lhe foram sugeridas várias novas utilizações. Em 2014, foi anunciado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra que ali seria instalado o Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento, ideia que nunca avançou. Três anos depois, a eurodeputada Maria Manuel Leitão Marques sugeriu a sua conversão para residência universitária. Mais recentemente, havia a intenção de ali instalar o Arquivo Municipal de Coimbra, mas o atual Executivo camarário, eleito no final de 2021, abandonou a ideia.
O espaço tem quatro séculos de existência e já foi dormitório de freiras, sanatório e, entre 1977 e 2011, Hospital Pediátrico. Está abandonado desde janeiro de 2011, altura em que foi inaugurada a nova unidade hospitalar, estando atualmente sob alçada da Direção Geral do Tesouro e Finanças. Segundo o JN apurou, há conversas entre o Governo e a Autarquia para esta passar a gerir o espaço.
Figueira da Foz
Sem diálogo com o Ministério da Defesa
No centro da Figueira da Foz, junto ao parque das abadias, existem dois prédios com 24 apartamentos, mas estão abandonados há cerca de duas décadas. Em 2019 foram colocados no Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, para sofrerem obras de reabilitação e servirem para arrendamento acessível, mas acabaram por nunca ser intervencionados.
Os dois prédios são propriedade do Ministério da Defesa e eram destinados a militares do Exército da Escola Prática do Serviço de Transportes, que funcionou na Figueira da Foz durante cerca de 100 anos, e foi encerrada em 2006, tendo sido transferida para a Póvoa do Varzim.
Segundo o que o JN apurou, os vários Executivos da Figueira da Foz têm contactado o Ministério da Defesa desde 2014, no sentido de adquirirem os dois prédios, com o objetivo de promover arrendamento acessível ou para residências universitárias, numa altura em que foi inaugurado um Campus da Universidade de Coimbra na cidade. No entanto, não obtiveram resposta aos ofícios enviados.
Caldas da Rainha
Lar das enfermeiras fechado há mais de 50 anos
A Câmara das Caldas da Rainha anda há mais de um ano em negociações com o Estado para reabilitar o antigo lar das enfermeiras, fechado "há mais de 50 anos", revela Vítor Marques, presidente da autarquia. Localizado perto da Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, no centro histórico, o imóvel foi cedido pelo Estado para ser reabilitado pelo município, mas o protocolo ainda não saiu do papel. "Comprámos mais dois imóveis antigos contíguos, para construir apartamentos para habitação jovem a preços controlados", adianta. O autarca gostaria de lançar a obra no final deste ano. "A falta de casas para arrendar é um problema que se tem agravado nos últimos anos."
BRAGANÇA
Casas florestais ao abandono
São dezenas de casas dos antigos serviços florestais e abrigos do Parque Natural de Montesinho que estão votados ao abandono, há vários anos no distrito de Bragança.
Eram casas que serviam de alojamento aos guardas-florestais, profissão extinta no Estado. Estes edifícios deixaram de ser usados e foram-se degradando, apesar de estarem quase sempre localizados em zonas interessantes em termos paisagísticos.
Em alguns casos só já restam as paredes. Portas e janelas foram arrombadas. Os interiores esventrados e destruídos. Os autarcas do distrito têm reclamado da situação, mas as vozes de protesto vão-se calando, conformadas, perante a ausência de soluções.
No distrito de Bragança há 55 edifícios do Estado sem uso ou abandonados, segundo a última informação do Gabinete dos Secretários de Estado do Tesouro e da Descentralização e da Administração Local publicada no ano passado.
Só no concelho de Bragança, aquele onde mais património está sem uso, há 13 edifícios devolutos, dos quais a maioria são antigos albergues turísticos, mais conhecidos pelas casas do parque, ou casas dos serviços florestais.
Na cidade de Bragança em abandono absoluto está o esqueleto do edifício projetado para uma escola de hotelaria. A obra começou e parou há mais de 25 anos. Ficaram as ruínas da obra. O edifício está sob a tutela do Estado.