Há áreas como Português ou Inglês com apenas um ou dois professores com mestrado por ano. Disparidade regional é enorme: na Guarda, só um docente concluiu estudos, em Beja foram três.
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A falta de docentes não é um problema exclusivo de Portugal, mas o país tem das percentagens mais baixas de diplomados da OCDE (6% em 2019 quando a média foi de 14%). No ano letivo de 2019/2020, concluíram mestrados em ensino 1525 estudantes, muito aquém do necessário, segundo o prognóstico recente do Governo. Com centenas de professores a reformarem-se todos os anos, há áreas, como Português ou Inglês, só com um ou dois diplomados preparados para dar aulas.
O relatório do Conselho Nacional da Educação (CNE) revela que, em 2019/2020, houve, por exemplo, nove diplomados para o ensino de Economia e Contabilidade, 10 em Física e Química e 22 em Informática. A análise regional é reveladora das disparidades. Lisboa e Porto lideram a formação com 443 e 356 diplomados em 2020. Na Guarda, um docente concluiu mestrado. Em Beja, foram três, cinco em Viana do Castelo e quatro em Portalegre (ler infografia). E, apesar de um ligeiro aumento no número de inscritos em cursos de educação básica em 2020, esta opção foi a que mais estudantes perdeu na última década: menos 5979 candidatos a professores, ou seja, uma perda de 52,4%.
O CNE alerta há anos para o problema, que a presidente classifica de "muito grave e urgente". Maria Emília Brederode Santos teme o "retrocesso nos níveis de formação". A classe é das mais qualificadas na Europa, mas a possível abertura a candidatos de outras áreas científicas ou sem mestrado em ensino pode levar a baixar esse nível de especialização. Esses profissionais "vão ter de ser devidamente enquadrados", defende.
O diagnóstico, feito pela Nova SBE a pedido do Governo, aponta para a necessidade de entrarem no sistema 34 500 professores até 2030, numa média de 3451 por ano. Ou seja, as instituições vão ter de duplicar os diplomados, porque, até ao final da década, devem aposentar-se cerca de 47 mil.
O programa eleitoral do PS prevê que universidades e politécnicos reforcem a capacidade de formação, a revisão dos regimes de habilitações para a docência e do recrutamento e o alargamento da profissionalização em serviço.
Repensar recrutamento
Inevitavelmente, a falta de professores vai marcar a legislatura. Avizinham-se negociações e Mário Nogueira traça "linhas vermelhas": recusa a eliminação da graduação profissional como critério principal na ordenação para concurso e o recrutamento local (por escolas ou câmaras) feito a partir de "critérios subjetivos". De resto, a carreira precisa de ser "recomposta", pondo fim às quotas para os 5.º e 7.º escalões. Para o rejuvenescimento, é essencial um regime específico de aposentação.
Para Paulo Santiago, chefe da Divisão de Políticas da Direção da Educação e Competências da OCDE, mais do que a atratividade dos cursos, é a profissão que tem de ser "mais estimulante". As escolas devem tornar-se "verdadeiras comunidades de aprendizagem" onde os docentes partilhem objetivos comuns e tenham mais autonomia.
É preciso "repensar o atual sistema centralizado de recrutamento e assegurar uma melhor adequação às necessidades de cada escola". As carências ainda são "pontuais" e estão longe de "um ponto crítico" que poderia implicar medidas como o aumento do número de alunos por turma, contratação de profissionais sem qualificação ou diminuição de disciplinas, o que teria um impacto muito negativo na qualidade das aprendizagens.
Pagar para alunos fazerem cursos e isentá-los de propinas
"Há mestrados em ensino de Matemática, de norte a sul do país, sem alunos. A exceção são os que têm alunos", garante o presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática. Para João Araújo, o problema da escassez de professores já "era urgente há dez anos". Agora "não há tempo nenhum e vai ser preciso muito dinheiro" para cativar mais candidatos - por exemplo, defende, eliminarem-se as propinas dos mestrados em ensino, especialmente nas áreas mais carenciadas de docentes, e pagar-se a esses estudantes.
O regime de avaliação, excessivamente burocrático e com quotas, deve ser revisto de modo a não criar "fraturas" nas escolas e devem ser criados incentivos locais para premiar o mérito e valorizar a carreira, propõe.
"É uma catástrofe de proporções bíblicas que aí vem", afirma. No próximo ano, estima, devem aposentar-se mais de 200 professores de Matemática, podendo o número duplicar face aos que admitem sair com penalizações na reforma e nos mestrados estão inscritos 60 estudantes. "É terrível", frisa. "E, tal como nos anos 80, esta crise vai ter um impacto imenso nas aprendizagens. A missão é ensinar muito e bem em pouco tempo e isso só é possível com professores muito bem preparados e vocacionados", insiste. João Araújo receia - tal como a presidente do CNE, o líder da Fenprof e o vice-reitor da Universidade Aberta - que o nível de especialização da classe baixe com a entrada de docentes de outras áreas científicas sem profissionalização em ensino. "Nos anos 80, havia estudantes do 1.º ano de engenharias, por exemplo, a dar aulas de Matemática. Se voltasse a acontecer era um enorme retrocesso", insiste.
Colégios sobem salários
A carreira deve ser valorizada e o recrutamento devia ser local, associado a um projeto e não uma "colocação cega" nacional, indiferenciada, defende. "Os professores não podem continuar com a casa às costas. Isso não motiva nem atrai ninguém". Além disso, garante, a carência aumenta a concorrência e, neste momento, revela, há colégios a oferecer salários superiores aos da tabela da Função Pública, com alojamento e seguros de saúde para conseguirem recrutar professores. "O ensino público vai ter de se tornar mais flexível", considera.