Estava previsto ser alargado a todo o país no início do ano, mas desde novembro só deu resposta a 46 doentes. Ministério justifica com dificuldades informáticas.
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Em testes desde o final de 2024, o regime Dispensa em Proximidade, que permite aos doentes levantar a medicação hospitalar na farmácia comunitária ou num centro de saúde perto de casa, já devia estar a funcionar em todo o país desde janeiro, mas está atrasado. De novembro até agora, houve 59 dispensas para 46 doentes quando se estima que o regime possa beneficiar 150 mil pessoas. O Ministério da Saúde justifica com problemas de compatibilidade dos sistemas informáticos e prevê que, em maio, haja dois hospitais a concluir a fase piloto.
As associações de doentes estão indignadas com o arrastar do processo, que foi considerado uma prioridade para o Governo. Há casos de doentes que já beneficiaram da dispensa em proximidade no âmbito de outros projetos-piloto e que voltaram à estaca zero (ler texto ao lado). Nas farmácias hospitalares, as respostas são vagas e o acesso está estrangulado. No início de fevereiro, a Plataforma Saúde em Diálogo, que representa 78 associações de doentes, escreveu ao Ministério da Saúde, pedindo um ponto de situação do projeto, mas não obteve resposta.
"Não há desculpa, a não ser o não querer fazer. Tem de haver pressão para o cumprimento da lei", afirma Jaime Melancia, presidente da direção da Plataforma. O responsável lembra que há doentes que fazem dezenas e centenas de quilómetros todos os meses para levantarem os medicamentos no hospital. "Isto tem impacto real na vida das pessoas, perdem-se dias de trabalho, há custos com as deslocações", realça Jaime Melancia.
Ao JN, o Ministério da Saúde justifica o atraso com dificuldades de interoperabilidade dos sistemas de informação. “Esta fase piloto revelou, no terreno, fortes constrangimentos no que diz respeito à integração dos diferentes sistemas de software informáticos, que têm de comunicar entre si, dificultando assim o avanço deste projeto”, respondeu o gabinete da secretária de Estado da Gestão da Saúde, Ana Povo. Acrescentando que “a equipa de acompanhamento do projeto teve de despender mais tempo do que o expectável, bem como proceder à disponibilização de mais recursos humanos, por parte de todos os parceiros envolvidos no projeto, nomeadamente informáticos de software de fornecedores externos”. Face aos constrangimentos, a tutela prevê que “até maio as fases piloto do Hospital de São João e do Hospital de Santo António estejam concluídas”.
Mas o argumento não colhe junto da Associação Nacional de Farmácias. Ema Paulino garante que está tudo testado e em funcionamento como provam as dispensas já efetuadas, algumas pela segunda vez. Há quase 2300 farmácias inscritas para prestar o serviço e só falta as unidades locais de saúde (ULS) sinalizarem os doentes em condições de beneficiar do programa. Já a presidente da Associação de Farmácias de Portugal, Isabel Cortez, nota que tem havido um “esforço grande” para avançar, mas "ainda há problemas de comunicação entre os sistemas informáticos”.
Criado pelo anterior Governo, o regime Dispensa em Proximidade foi considerado uma prioridade para o atual Executivo que, refere o Ministério da Saúde, dispensou 10 milhões de euros para o projeto. A legislação necessária está toda publicada e em novembro do ano passado as entidades envolvidas deram início a projetos-piloto para testar as novas regras e procedimentos. Aderiram sete ULS e um IPO (Santo António, São João, Braga, São José, Lisboa Ocidental, Almada-Seixal, Castelo Branco e IPO de Lisboa) de um total de 39 ULS e três IPO.
Medo, viagens longas e soluções à porta: resposta é assimétrica
Há hospitais em que o regime de dispensa em proximidade funciona, noutros nunca existiu, uns mantém as iniciativas estreadas na pandemia, outros interromperam-nas abruptamente. As desigualdades são evidentes e deixam perceber a necessidade urgente de uniformização da resposta. Em julho de 2023, Maria Janeiro deixou de receber os fármacos biológicos para a psoríase em casa. Recebeu uma carta do Amadora-Sintra a informar que tinha de se deslocar ao hospital para levantar a medicação. No seu caso não é longe, mas fica “em pânico” sempre que se aproxima a data porque, no último ano, apanhou várias infeções respiratórias graves que a obrigaram a suspender a medicação. “Tenho muito medo de ir ao hospital e sei que na minha farmácia, há pelo menos um utente do Lisboa Central que recebe a medicação”, conta Maria, 70 anos.
Residente em Silves, no Algarve, Nélson Martins faz quilómetros para conseguir tratar-se. De três em três meses, ruma a Setúbal para uma consulta de dermatologia, na qual o médico prescreve a medicação. Tal como Maria, Nélson (40 anos) também tem psoríase, mas na ULS do Algarve “não há um único dermatologista”. Depois da consulta, Nélson regressa ao Sul e levanta os medicamentos no Hospital de Portimão, a 50 quilómetros de casa. “Para ir a Setúbal perco um dia de trabalho e para ir a Portimão perco meio dia”, relata. No seu caso, a dispensa em proximidade só evitará as viagens a Portimão, mas “já vai aliviar alguma coisa”.
Seguida no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, Catarina Cruz, beneficiou da dispensa em proximidade em 2022, mas no final do ano passado as entregas na farmácia foram interrompidas. Quando foi ao hospital informar-se sobre o novo regime, a resposta foi vaga: “Ainda faltam procedimentos”, disseram-lhe. Ainda assim, a ULS de Santa Maria disponibilizou um dispensador acessível por código no exterior das instalações para os doentes levantarem a medicação a qualquer hora durante cinco dias, evitando as filas de espera e a limitação do horário de funcionamento do serviço. “É útil para quem vive em Lisboa, mas não evita as deslocações a quem vem de fora”, conclui.
Detalhes
Circuito da dispensa
O médico do hospital prescreve os medicamentos e a informação é transmitida ao SUCH, que faz a encomenda aos fornecedores e armazena. Depois, entrega os fármacos aos distribuidores para transporte até à farmácia comunitária. Aqui é feita a dispensa ao utente com comunicação ao hospital que prescreveu.
Outros projetos-piloto
Há doentes que ainda beneficiam da dispensa em proximidade no âmbito de projetos-piloto antigos, como é o caso da Operação Luz Verde iniciado na pandemia. O objetivo é fazer todos os projetos convergirem para o novo regime.