Depois de Coimbra e da Cova da Beira, há mais unidades de saúde a querer abrir espaços com horários alargados. Sindicatos de médicos e enfermeiros saúdam a decisão, desde que não ameace os direitos de parentalidade.
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O Hospital de Braga, os centros hospitalares universitários Lisboa Norte, de Santo António e São João, no Porto, vão abrir creches para os filhos de funcionários. Coimbra e Cova da Beira foram os primeiros a criar este serviço, cada vez mais difícil de encontrar nas zonas urbanas. Enfermeiros e médicos aplaudem a iniciativa, desde que salvaguarde os direitos de parentalidade.
Situada no "campus" dos Hospitais da Universidade de Coimbra, a creche e jardim de infância "O Caracol" recebe os filhos dos funcionários e da população há mais de 50 anos. Paulo Rachinhas, presidente da Casa do Pessoal, explica ao JN que os filhos dos sócios têm prioridade e pagam entre 80 e 305 euros por mês, enquanto os "externos" pagam entre 120 e 350 euros.
"São preços inferiores aos praticados na cidade", garante Rachinhas. Aberto de segunda a sexta-feira das 7.30 às 18.30 horas, "O Caracol" só não tem vagas no berçário. "Os pais reconhecem que é um espaço bastante bom e que os profissionais garantem uma resposta de qualidade", assegura. "É uma mais-valia pela proximidade e pela facilidade de acesso".
O Centro Hospitalar Universitário da Cova da Beira (CHUCB), na Covilhã, tem a única creche privada do país. A funcionar desde 2014, tem capacidade para 34 crianças até aos três anos, mas não tem vagas. Frequentada por filhos de funcionários do CHUCB, da Universidade da Beira Interior e restante comunidade, a "Creche Saudável" funciona das 7 às 24 horas, de segunda a sábado.
"É como estar em casa"
O horário alargado é um dos aspetos mais valorizados, tal como a proximidade do local de trabalho, a segurança, o atendimento personalizado e o ambiente acolhedor e familiar. Cláudia Santos, 44 anos, ortopedista no CHUCB, onde também trabalha o marido, elogia ainda as educadoras e as condições do espaço, agora frequentado apenas pelo filho mais novo.
"Quando tem febre, é só descer as escadas. É como estar em casa", observa a ortopedista. Sem apoio de retaguarda, depois de se ter mudado do Porto para a Covilhã, considera uma "ajuda enorme poder contar com uma creche com um horário alargado", apesar de fazer turnos desencontrados do marido, para apoiarem os filhos de 8, 6 e 3 anos.
Não devem funcionar 24 horas
Guadalupe Simões, presidente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, considera "importante" a existência de creches em hospitais, devido à carência destes serviços. Contudo, ressalva que "uma boa medida pode transformar-se numa péssima ideia", se não forem respeitados os direitos de parentalidade. "As mães enfermeiras têm direito a não fazer trabalho noturno, independentemente das condições que existam para os seus filhos", avisa. "Vamos ter de estar muito atentos".
Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos, também sublinha que os direitos de parentalidade têm de ser protegidos. "Não faz sentido para quem é pai ou é mãe fazer turnos à noite. Temos de pensar no bem-estar das crianças", alega. Por outro lado, admite que estas soluções são um incentivo à natalidade, por os horários serem compatíveis com o trabalho. "Agora não devem estar abertas 24 horas. As crianças têm direito a estar em casa".
O Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e a Universidade de Lisboa também vão criar uma creche e um jardim de infância. Embora sem data de abertura, destinam-se aos filhos dos profissionais do Santa Maria e de toda a comunidade académica. A unidade de apoio à infância funcionará de segunda a sexta-feira, das 7.30 às 18.30 horas. Já o Centro Hospitalar Universitário de Santo António também vai abrir, em breve, um concurso para a criação de uma creche nas suas instalações.
Reportagem
Só troca creche hospitalar por jardim de infância gratuito
Quando a enfermeira Joana Simões, 36 anos, foi trabalhar para os Hospitais da Universidade de Coimbra, há cinco anos, grávida da filha mais velha, não imaginava que ia ter tanta dificuldade em encontrar vaga numa creche na cidade. Com a filha mais nova já não teve esse problema, porque a matriculou na creche e jardim de infância "O Caracol", no campus hospitalar, logo no início da gravidez. Com capacidade para 180 crianças, o espaço ainda tem vagas porque há pessoas que desconhecem que está aberto à comunidade.
"Em Coimbra, é muito difícil arranjar creches. Tive amigas que ficaram em casa com os bebés, recorreram a amas ou às avós até terem vaga", conta Joana Simões. "A área de berçário, então, é dramática", assegura. Foi por isso que teve o cuidado de matricular logo Matilde na creche "O Caracol", assim que soube que estava grávida. Em contrapartida, a filha mais velha, Beatriz, teve de frequentar outra creche, durante cerca de oito meses. "Além de ser mais caro, a deslocação causava-me bastante transtorno porque ficava do outro lado da cidade".
Joana Simões destaca o facto de a creche abrir às 7.30 horas, o que lhe permite chegar a tempo ao trabalho, às 8 horas, sem andar a correr. "Em termos de comodidade, é mais fácil para nós por estarmos próximos do hospital. Em cinco minutos estamos no serviço", explica. "Outra das grandes vantagens é o facto de fechar apenas três dias por ano para férias. Para nós, é mais facilitador para gerirmos no serviço", diz.
Poupar 300 euros
Apesar de estar satisfeita com a proximidade da creche e de as funcionárias serem "supercarinhosas" com as crianças, a enfermeira mudou Beatriz para um jardim de infância público por ser gratuito, uma vez que o município de Coimbra assegura o pagamento dos funcionários e as refeições, e o Ministério da Educação paga as educadoras.
"A maioria dos pais opta por essa solução apenas por uma questão financeira, pois poupam 300 euros", justifica. É por isso que Matilde, agora com 22 meses, vai seguir o mesmo percurso da irmã, quando fizer três anos.
"Vou ter muita pena, mas, em termos económicos, faz muita diferença", afirma Joana Simões. Até lá, vai continuar a usufruir da vantagem de estar perto da filha mais nova.
"A Matilde teve uma bronquiolite e teve de fazer uma máscara inalatória de quatro em quatro horas. As primeiras, fiz eu. Depois, ensinei às educadoras e elas fizeram as restantes", conta. "Já a Beatriz caiu e esmurrou a cara e só depois de acabar o serviço é que pude ir acudi-la. Aquelas horas pareceram dois ou três anos", afirma, referindo-se ao facto de a filha mais velha estar mais distante.
Outros exemplos
Leiria
A Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria e o Centro Hospitalar querem criar a primeira creche intermunicipal do país, para cerca de 50 crianças, destinada a filhos dos profissionais que queiram fixar-se no hospital. Aguarda apoio comunitário.
Braga
A Câmara vai criar um berçário e uma creche perto da Universidade do Minho, em 2024, aberta à comunidade. Com 84 vagas, funcionará 24 horas.
Coimbra
A funcionar desde 1973, a creche e jardim de infância da Universidade de Coimbra dá prioridade aos filhos dos estudantes. Está aberta das 8 às 18.30 horas.
Lisboa
A Universidade de Lisboa tem um jardim de infância desde 1974, para cerca de 90 crianças. Desde 1999, o Centro de Educação Pré-escolar serve os filhos dos alunos da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Nova de Lisboa.
Porto
O Politécnico do Porto vai abrir uma creche para 72 crianças, no campus da Asprela, em colaboração com o Hospital de São João. As obras deverão estar concluídas em 2024 e o horário previsto é das 8 às 20 horas. A Universidade do Porto também quer ter uma creche.