Estrangulados com faturas energéticas cada vez mais elevadas, os hospitais do Serviço Nacional de Saúde estão a implementar medidas para reduzir custos com consumos e aumentar a eficiência.
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Mudam lâmpadas, reduzem a iluminação exterior, desligam computadores e equipamentos médicos, instalam painéis solares para aquecer a água e tentam poupar na climatização. A escalada dos preços não atinge apenas a energia. Os bens e serviços também estão a aumentar e os orçamentos, sempre curtos, não chegam para as despesas. Ainda não se nota, mas a dívida está a crescer, avisam os administradores hospitalares.
A funcionar 365 dias por ano, 24 horas por dia, os hospitais são grandes consumidores de eletricidade e gás. Contratam os fornecedores através de acordos negociados por empresas do Estado (ESPAP e SPMS), mas nem assim escapam aos aumentos nas faturas.
No primeiro semestre, o Centro Hospitalar Lisboa Central - que integra os hospitais de S. José, Santa Marta, Capuchos, Estefânia e Maternidade Alfredo da Costa - viu a fatura do gás disparar 227% e a fatura da eletricidade subir 171%. Com instalações muito dispersas e antigas, a poupança de energia "é um exercício complexo, exigente e desafiante", mas ainda assim estão a ser implementadas medidas para "redução de consumos em períodos específicos".
Painéis solares e lâmpadas LED
A Unidade Local de Saúde de Matosinhos registou uma subida de 187% na conta da energia. Naquela ULS, que integra o Hospital Pedro Hispano e os centros de saúde do concelho, o caminho da sustentabilidade energética foi traçado há vários anos e um terço da energia consumida é produzida por painéis fotovoltaicos. Ainda assim, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, estão em marcha projetos de "revisão da iluminação com equipamentos que consomem menos energia" e de melhoria da climatização. Para 2023, as contas já estão feitas: para fazer face às despesas com energia e outros custos será necessário um reforço financeiro de 2,5 milhões de euros, diz o hospital.
No Centro Hospitalar de Gaia/ /Espinho, a despesa com luz e gás cresceu 40% entre janeiro e julho e "a situação contratual está a ser analisada". A unidade também já tem um plano de melhoria da eficiência energética em curso, que passa pela instalação de painéis fotovoltaicos para autoconsumo, aquecimento das águas por painéis solares e iluminação LED.
Em Leiria, o centro hospitalar avançou recentemente com um plano de redução do consumo de energia, mas também de água, para fazer face à seca que o país atravessa. Para baixar a fatura energética foi decidido reduzir a iluminação noturna dos parques de estacionamento e das zonas de circulação dos hospitais, bem como desligar as luzes decorativas (com exceção da urgência). A climatização foi ajustada para 24 graus no verão e 20 graus no inverno e ao final do dia, os equipamentos elétricos, incluindo computados e aparelhos médicos que não estão a uso, são desligados.
Consciente das dificuldades dos hospitais e do endividamento face aos aumentos dos custos energéticos (ler entrevista ao lado), a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares vai organizar, nos dias 21 e 22, uma conferência sobre a eficiência dos edifícios, a economia circular e a gestão dos resíduos, com exemplos de hospitais que já têm resultados.
Privados estão perto do colapso na Europa
O impacto da inflação na saúde está a afetar igualmente o setor privado e não apenas em Portugal. A União Europeia de Hospitalização Privada reconheceu há dias que o acesso dos utentes, a segurança e a qualidade dos serviços médicos estão a ser ameaçados pelo aumento dos custos.
A Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), que representa 90% dos hospitais privados do país, subscreve a posição da associação europeia e pede uma revisão dos preços contratualizados com o setor. O presidente da APHP, Óscar Gaspar, referiu, em comunicado, que "o impacto da inflação é brutal nos hospitais, sejam públicos ou privados". E considerou "absolutamente essencial que o Estado, enquanto adquirente, assuma que há necessidade de rever os preços neste setor, tal como já acontece nas empreitadas".
Aumento da dívida tem um custo
Xavier Barreto
Presidente Ass. Portuguesa Administradores Hospitalares
Qual o ponto de situação desta escalada de preços nos hospitais?
O aumento dos custos é transversal a praticamente todos os bens e serviços que os hospitais compram. Além dos custos energéticos, cujos aumentos são superiores a 100% na maioria dos hospitais, há custos relacionados com as cadeias logísticas que fazem aumentar praticamente tudo. Alguns hospitais ainda estão a beneficiar de preços de contratos antigos, mas os fornecedores estão a pressionar a renegociação, porque também não conseguem suportar os aumentos dos custos.
É certo que os novos contratos vão sair mais caros?
Todos os preços vão aumentar com os novos contratos, esse é um cenário expectável num momento de inflação. O problema é que nada disto foi tido em conta para o financiamento dos hospitais de 2022.
E como é que os hospitais estão lidar com a situação?
Estão a aumentar a dívida. Mas isso tem um custo no futuro, porque um hospital endividado tem menos capacidade de negociação com um fornecedor, ou seja, sai mais caro.
Qual é a solução?
Se queremos manter os serviços a funcionar, é preciso aumentar o financiamento. Este balão [de dívida] que incha e desincha prejudica a gestão dos hospitais.