Mapa deste mês não cumpre mínimos definidos pela Ordem dos Médicos. Em causa está recurso a internos com pouca formação. Bastonário já questionou direção clínica.
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O Hospital de S. João, no Porto, está a recorrer a médicos internos com formação insuficiente para completar as escalas do serviço de Urgência de Ginecologia/Obstetrícia, violando as regras definidas pelo colégio daquela especialidade da Ordem dos Médicos. Este mês, o mapa tem mais de 20 irregularidades, denunciou Sindicato Independente dos Médicos (SIM). O bastonário Miguel Guimarães reconhece que a situação "é grave", porque reduz a qualidade e a segurança clínica e já pediu esclarecimentos à direção clínica e à diretora do serviço de Obstetrícia. Ao JN, o hospital garante que está a contratar mais obstetras e a avaliar o papel dos internos com a Ordem.
Com 1500 a 2500 partos anuais, o S. João é um hospital de apoio perinatal diferenciado. Como tal, segundo as regras definidas pelo Colégio de Ginecologia/Obstetrícia da Ordem dos Médicos, a escala da urgência tem de ter um mínimo de quatro especialistas em presença física. Sendo que o quarto especialista pode ser substituído por um interno da especialidade do 2.º ao 6.º ano e o terceiro pode ser substituído, a título excecional, por um interno do 5.º ou 6.º ano.
O que está a acontecer é que há 22 turnos (noturnos e diurnos) deste mês em que os internos que substituem especialistas têm menos formação do que é exigido. Em 13 turnos, estão escalados internos do 1.º ano a substituir o quarto especialista (quando só poderia ser do 2.º ao 6.º ano) e, em nove turnos, estão escalados internos do 4.º ano para substituir o terceiro elemento (quando só poderia ser do 5.º ou 6.º ano). A própria escala reconhece o problema e apresenta uma solução para minimizá-lo. "Uma vez que algumas das equipas têm internos de 4.º ano como terceiro elemento e de 1.º ano como quarto elemento, haverá um especialista que poderá dar apoio, caso o chefe de equipa ache necessário", pode ler-se no documento a que o JN teve acesso.
Redução da segurança
Uma solução que não está prevista nas regras da Ordem dos Médicos e não convence. "Quem estabelece a composição da equipa é o colégio de especialidade. O chefe de equipa não pode sobrepor-se a essa orientação, estabelecendo que, afinal, não é preciso aquela equipa mínima, refere Hugo Cadavez. "Nem estabelecer que, se for preciso, chama-se um especialista que está noutras funções, em consultas ou cirurgia, para ajudar na urgência". Para o dirigente do SIM, quando "não há recursos humanos, as urgências devem entrar em contingência" e não "tentar camuflar os problemas".
As irregularidades estão a ocorrer no hospital onde trabalha o presidente do colégio da especialidade de Ginecologia e Obstetrícia, João Bernardes, e o bastonário dos Médicos. E são conhecidas dias depois de António Costa ter elogiado o Norte em matéria de organização de serviços de saúde. "Ouvimos o primeiro-ministro dizer que no Porto não há problemas, mas isso não é verdade", nota Hugo Cadavez.
Ao JN, Miguel Guimarães disse que enviou "um ofício comum à diretora clínica e à diretora do Serviço de Obstetrícia a pedir explicações sobre a escala"."Em agosto, já tinha havido problemas, poucos, mas agora há demasiados problemas", indica, considerando que, sempre que as equipas-tipo não são cumpridas, há redução da qualidade e segurança clínica. "Um interno do 1.º ano não é igual a um interno do 3.º ou do 4.º ano", realça.
Em resposta ao JN, o Hospital de S. João garante que está a contratar mais obstetras e que "tem vindo a discutir a questão dos anos dos internos com a Ordem dos Médicos", pois têm "profissionais muito competentes e autónomos nos vários anos de ciclo de formação". Porém, afiança que as escalas sempre estiveram completas e nunca fecharam o serviço de urgência.
Para aquela unidade, "está assegurada a presença dos médicos especialistas. A equipa médica garante resposta às utentes com total segurança, havendo possibilidade de mobilizar outros especialistas, sempre que necessário, assegurando o acesso e a qualidade".
Requisitos
4 especialistas
em presença física requer a Urgência de Obstetrícia do S. João. O terceiro e quarto podem ser substituídos por internos com determinada formação.
Saber mais
Corte nas ecografias
No início de junho, por diminuição do número de médicos, que saíram por rescisão ou reforma, o S. João deixou de fazer as ecografias do segundo trimestre a grávidas seguidas e referenciadas pelos centros de saúde. Os exames ainda não foram retomados.
Caso em Lisboa
A Ordem dos Médicos considerou "gravíssimo" que a escala de agosto da urgência geral do Hospital S. Francisco Xavier tivesse só um especialista (com função de chefia) e um interno do quinto ano. Tal motivou o pedido de demissão dos chefes de equipa da urgência e a intervenção da Ordem. E a situação foi corrigida, segundo o bastonário.