A voz amargurada de Hugo Damásio, 21 anos, carrega uma dor difícil de apagar, nove meses depois do trágico incêndio de Pedrógão Grande.
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Foram momentos de angústia, primeiro, quando se deslocou a casa dos pais para ir buscar a irmã, de 16 anos, e um turbilhão de emoções, ao saber, horas mais tarde, que os pais - António (41 anos) e Eliana Damásio (38) - haviam sucumbido ao tentar fugir das chamas.
O casal saiu de casa de carro, despistou-se à saída de São Pedro de Sarzedas, no concelho de Castanheira de Pera, ainda tentou abandonar o local a pé, mas acabou por morrer intoxicado pelo fumo. A seu lado, foi encontrado o cão da família, um labrador, também sem vida.
Hugo é casado e trabalha numa fábrica de têxteis. Não tem filhos, mas ficou com a responsabilidade de educar a irmã, que frequenta o 10.º ano e sonha um dia tirar um curso superior na área da saúde ou do desporto. Depois da morte inesperada dos pais, leva a vida cumprindo um dia de cada vez. Recebeu "cerca de 140 mil euros" de indemnização pelo falecimento dos progenitores. Admite que "é uma boa ajuda" para seguir em frente, mas sublinha que não há dinheiro "que pague uma vida".
Ainda assim, conta usar esta verba "para acabar a casa dos pais", para onde se mudou entretanto, para suportar os estudos da irmã, e custear o apoio psicológico para toda a família. "No início, ainda tivemos apoio, mas nunca era a mesma pessoa a falar connosco e tínhamos que estar sempre a contar a mesma coisa, por isso, optámos por ir para o privado", contou ontem ao JN.
Apesar dos tratamentos, reconhece que o trauma ainda subsiste. E que, em termos gerais, "há muito receio que volte a acontecer o mesmo", pois, apesar da grande extensão de área ardida, nota que "há pouca limpeza" nos pedaços de floresta que resistiram à fúria das chamas.
Hugo foi um dos familiares das 114 vítimas mortais nos incêndios florestais de 2017 que já receberam indemnizações do Estado, segundo anunciou ontem a Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral. Ao todo, foram atribuídas compensações no valor de 31 milhões de euros. "Até agora não tivemos nenhuma recusa de propostas de indemnização e cumprimos o objetivo que tínhamos no início deste procedimento. Ninguém ficou de fora por falta de auxílio ou esclarecimento", afirmou a provedora, em conferência de imprensa. À Provedoria chegaram 301 requerimentos de familiares de vítimas mortais, 109 das quais em consequência direta dos incêndios de junho e outubro.
Em curso, e até 30 de maio, está agora o processo de pedido de indemnizações para os feridos graves. Cinco pessoas já entregaram os requerimentos para serem compensados pelos danos sofridos.