Peritos concluem que recusa a pedidos da Proteção Civil para aumento de dispositivo foi decisivo para os resultados trágicos dos fogos do dia 15 outubro.
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O Governo não acedeu ao apelo da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) para o reforço dos meios de combate aos incêndios em outubro de 2017. O relatório da Comissão Independente à catástrofe aponta que, quando se perspetivavam condições meteorológicas muito adversas, o Ministério da Administração Interna deu nega em toda a linha ao comando da ANPC. Só autorizou mais meios aéreos dois dias após o trágico domingo dia 15, que ceifou a vida a 48 pessoas. No documento, entregue ontem ao Parlamento, é notória a enorme falta de coordenação e de meios no combate aos fogos, que, quatro meses após Pedrógão, voltou a deixar as populações à sua sorte.
De acordo com o relatório da equipa liderada por João Guerreiro, a ANPC pediu autorização "superior" para um reforço dos meios para a fase "Delta, entre 1 e 15 de outubro", tendo em conta as condições meteorológicas e a severidade da seca sazonal. Nesses dias, o então secretário de Estado do MAI, Jorge Gomes, garantia que "o corte de 40% dos meios", devido ao fim da fase Charlie, não punha em risco a eficácia do combate.
A 10 de outubro, com o agravar das condições do tempo e a "passagem do furacão Ophelia", o comandante operacional nacional da ANPC, Albino Tavares - que ocupava o lugar interinamente - fez novo apelo.
Aos peritos, Albino Tavares disse que "deveria haver um conjunto de reforço de meios", que não sucedeu por falta de "autorização a nível superior". O texto conta que o Governo recusou o reforço das equipas de combate, mais horas de voo e bombeiros canarinhos e aumentar o número de meios aéreos. "Depois do período em análise (14 a 16 de outubro), já foi autorizada a locação de 15 helicópteros ligeiros, com início a 17 de outubro", frisa-se.
"Civis sem qualquer apoio"
A 15 de outubro, a Proteção Civil tentou dar "cumprimento à doutrina instituída". Ou seja, os recursos foram concentrados no arranque dos fogos - na cronologia dos acontecimentos, o primeiro surge às 6.03 horas, em Seia.
Quando as chamas se estendem a 27 municípios do Centro, os meios "envolvidos fora das suas áreas de atuação própria começaram a ser solicitados para os seus concelhos, sendo que este processo de retração das forças veio a determinar que, em muitas ocorrências, os meios locais ficaram entregues a si próprios".
A confusão instala-se a todos os níveis da coordenação, ao ponto de os comandos operacionais não terem "controlo efetivo" da situação, nem a "real perceção da propagação do incêndio". A rede SIRESP "fica inoperacional" e a atuação do INEM "limitada" por falhas nas comunicações. Chega-se a um ponto em que "os comandantes posicionados mais a norte nem sabiam a quem reportar".
Rodeada por chamas, a população tentava sobreviver ao mega-incêndio e fazer, "sem qualquer apoio, a defesa" dos seus bens (ler página seguinte). Perante este cenário, os peritos concluem que "os meios não foram manifestamente suficientes para a dimensão dos incêndios que se verificaram" e voltam a falar na importância de as chefias da ANPC deixarem de ser de nomeação política.
As sucessivas falhas apontadas não invalidam, contudo, que se reconheça que este foi "o maior fenómeno piroconvetivo registado na Europa até ao momento e o maior do Mundo em 2017". O seu caráter extraordinário é reconhecido pela comissão: "Em muitas situações, não havia possibilidade alguma de combater o incêndio. Nalguns concelhos, o fogo entrou por várias direções, com uma velocidade e severidade nada habitual", levando à concentração de esforços na defesa de pessoas e bens.