Pessoas com demência estão a ser impedidas de entrar em unidades de saúde com acompanhante por causa da pandemia e saem sozinhas. Ministério aperfeiçoa procedimentos.
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Perto de uma dezena de idosos com demência que foram proibidos de entrar com acompanhante em hospitais e outras unidades de saúde, por causa da pandemia, acabaram, mais tarde, por ser dados como desaparecidos, depois de receberem alta sem que os seus familiares tivessem sido informados.
A denúncia é da associação Alzheimer Portugal e o mais grave, em investigação pelo Ministério Público (MP), levou à morte, em julho, de uma doente de alzheimer atendida sozinha no Hospital de Cascais. A associação diz que a situação "está a ganhar contornos alarmantes". Hoje é o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados. Em Portugal desaparecem oito pessoas por dia. Desde o confinamento houve menos casos com idosos.
Ao JN, a tutela lamentou os incidentes e assegurou que irá "promover junto dos Conselhos de Administração [dos hospitais] o aperfeiçoamento dos procedimentos adotados" para que, não obstante a covid-19, os doentes sem "capacidades cognitivas" possam ser atendidos acompanhados.
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"O familiar fica à espera e isto aumenta, naturalmente, a ansiedade e a agitação da pessoa, porque se sente perdida. E depois há uma desarticulação na alta, ou seja, o serviço dá alta à pessoa, mas não informa o familiar. A pessoa sai, o familiar não sabe que já saiu, e as pessoas ficam efetivamente perdidas e dadas como desaparecidas", descreve Catarina Alvarez, coordenadora de projetos na Alzheimer Portugal.
Segundo a psicóloga, a associação recebeu, durante a pandemia, menos de dez denúncias, ocorridas em todo o país. "Já são suficientes para nos deixar em cuidado", salienta. Até porque, lembra, o direito a ser acompanhados nos serviços de saúde está previsto na lei, independentemente de eventuais planos para travar a covid-19.
Prevista salvaguarda
Ao JN, a tutela ressalva que, apesar de os hospitais terem estabelecido "nos planos de contingência restrições de acompanhamento", ficaram salvaguardados "os casos em que o utente não tem capacidade cognitiva para ficar sozinho". Admite, porém, que tal nem sempre tenha sido respeitado.
"O Ministério da Saúde lamenta qualquer situação em que tal, por alguma razão, não se tenha verificado e fará as respetivas diligências para apurar as circunstâncias dessas situações", reconhece, por escrito.
O caso mais extremo -alvo de inquérito do MP - aconteceu a 13 de julho. Uma mulher de 66 anos foi encontrada morta a escassos metros do Hospital de Cascais, dois dias depois de ter tido alta. Doente com alzheimer, a idosa deslocou-se à unidade de saúde para uma consulta acompanhada do marido, impedido de entrar. O hospital já garantiu que cumpriu todos os protocolos, mas a família garante que não foi informada de que a idosa poderia, de madrugada, abandonar o local.
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Mais recentemente, outro doente de Alzheimer, de 77 anos, esteve um dia desaparecido após ter abandonado o Hospital de Gaia. O idoso, encontrado bem, foi internado devido a uma fratura no nariz e pernoitou ali sozinho - a mulher foi impedida de o fazer como medida de prevenção da covid-19. Fonte do hospital adiantou à Lusa que o utente saiu da sala de espera enquanto os familiares eram contactados.
Menos desaparecidos
Ainda assim, em termos globais, diminuiu, no período da pandemia, o número de participações referentes a idosos em paradeiro desconhecido.
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Segundo dados da PSP e da GNR, entre 1 de março e 20 deste mês foram dadas como desaparecidas 99 pessoas com 65 anos ou mais, das quais pelo menos 72 foram encontradas. No mesmo período do ano passado, houve 130 comunicações. Estão relacionadas, na sua maioria, com doenças psiquiátricas, com o hábito de sair de casa e regressar no dia seguinte e com discussões familiares.