A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) concluiu que a marcação da primeira consulta das gémeas luso-brasileiras no Santa Maria não cumpriu os requisitos de legalidade. Contudo, a autoridade não detetou ilegalidades na prestação de cuidados de saúde. O caso foi enviado para o Ministério Público.
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"Não foram cumpridos os requisitos de legalidade no acesso das duas crianças à consulta de neuropediatria neste estabelecimento de saúde, uma vez que a marcação da consulta não cumpriu o disposto na Portaria n.º 147/2017, de 27 de abril, que 'Regula o Sistema Integrado de Gestão do Acesso dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde (SIGA SNS)', lê-se no relatório final da IGAS.
A primeira consulta de Neuropediatria no Hospital de Santa Maria (HSM) a 5 de dezembro de 2019, foi marcada pela secretaria de Estado da Saúde, via telefone.
A autoridade acrescenta que a prestação de cuidados de saúde decorreu com normalidade “sem que tenham existido factos merecedores de qualquer tipo de censura”.
No relatório final, a IGAS deixa ainda três recomendações ao Santa Maria, à Secretaria-Geral do Ministério da Saúde e ao Infarmed que devem ser implementadas no prazo de 60 dias, evitando que casos semelhantes aconteçam. À Unidade Local de Saúde de Santa Maria recomenda que garanta o cumprimento no acesso de utentes à primeira consulta de especialidade, obedecendo às regras legais.
Segundo a portaria que regula o Sistema Integrado de Gestão do Acesso dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde, a primeira consulta só poderá ser referenciada pelas unidades funcionais dos ACES, instituições do SNS, equipas da RNCCI ou entidades externas ao SNS. De acordo com a lei, a secretaria de Estado da Saúde não tem competências de referenciação clínica.
Num segundo momento, nota que a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde deverá assegurar que a documentação que chega aos gabinetes dos membros do Governo seja previamente analisada, através de despacho, pelo membro do Governo ou pela pessoa com responsabilidades no Gabinete. Ou seja, um secretário de Estado não tem competência para referenciar para a marcação de uma primeira consulta, como alegadamente terá feito Larcerda Sales.
Por último, recomenda ao Infarmed que cumpra o “circuito de submissão, avaliação e aprovação dos pedidos de autorização de utilização excecional” deste tipo de terapias.
PGR explica que investigação está em "segredo de justiça"
O relatório do processo de inspeção sobre o tratamento das gémeas luso-brasileiras com o medicamento Zolgensma, conhecido como medicamento mais caro do mundo, foi homologado pelo IGAS no dia 1 de abril, tendo cindo remetido ao Gabinete da Secretária de Estado da Promoção da Saúde, Conselho de Administração do Santa Maria, Conselho Diretivo do Infarmed, Secretária-Geral da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, secretário de Estado da Saúde do XXII Governo Constitucional, diretor clínico do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte à data dos factos inspecionados e ao Ministério Público.
Ao JN, em informação anterior, a IGAS explicou que “as pronúncias das entidades e visados” foram “rececionadas” dentro do prazo estabelecido. O relatório preliminar foi enviado para um estabelecimento do SNS, “dois organismos do Ministério Público e duas pessoas singulares” para que se pronunciassem.
O JN também questionou a Procuradoria-Geral da República sobre o inquérito criminal ao caso das gémeas, mas a mesma respondeu que a “investigação prossegue com a realização das diligências de aquisição de prova tidas como necessárias, encontrando-se em segredo de justiça”.
O caso ganhou mediatismo pelo alegado envolvimento de Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, que conhecia a família e cujo nome terá sido invocado para acelerar o processo. Um mês após as primeiras notícias sobre o seu alegado envolvimento no caso, o presidente admitiu ter recebido um email do seu filho, em 2019, a alertá-lo para a situação. No entanto, negou “qualquer favorecimento” da sua parte e revelou que enviou à PGR toda a documentação de Belém relativa às gémeas.
Os pais das duas meninas, de nacionalidade brasileira, diagnosticadas com atrofia muscular espinhal, são amigos do filho do presidente, Nuno Rebelo de Sousa. Certo é que as crianças receberam nacionalidade portuguesa em 14 dias, mas o ministério da Justiça garantiu que os prazos destes processos "não diferiram" do normal.
A antiga ministra da Saúde, Marta Temido, titular da pasta à data dos factos, também recusou qualquer envolvimento nesta situação, bem como o ex-secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales. O SNS terá ainda comprado seis cadeiras de rodas, quatro delas elétricas, para as gémeas utilizarem. O custo rondou os 64 mil euros.