A população mais velha das aldeias resiste e vai garantindo a limpeza dos terrenos à volta das casas, onde se cultivam alimentos para consumo próprio. Apesar da falta de saúde, os reformados da Picha, em Pedrógão Grande, continuam a dedicar-se à agricultura e a cuidar das suas propriedades. Na Ortiga, em Castanheira de Pera, o único casal que ali vive lamenta que os vizinhos não cuidem dos seus terrenos, pois acredita que se todos tivessem esse cuidado o fogo não chegava às casas. No Cercal, em Figueiró dos Vinhos, os eucaliptos estão a ser substituídos por outras espécies, mas a população teme que os veados não permitam que as árvores se desenvolvam.
Corpo do artigo
Picha
Hortas mantêm terrenos limpos
Na aldeia da Picha, em Pedrógão Grande, "todos os habitantes têm um bocadinho de horta", assegura Joaquim Ferreira, 73 anos. Apesar da dificuldade em andar, o reformado continua a cuidar do seu terreno, junto a uma nascente, onde planta feijão, tomates, alfaces, nabos e cebolas, apoiado numa canadiana. Os 467 euros que recebe por mês são insuficientes para sobreviver.
"Com a crise que aí vem, toda a gente vai ter de semear se quiser comer", acredita Joaquim. Pai de três filhos, diz que só o mais novo é que não tem horta, porque "não tem vagar". Contudo, tem consciência de que, com o passar dos anos, cada vez há menos pessoas a dedicar-se à agricultura. "A malta nova foi toda para Lisboa e lá ficou".
O reformado do setor dos lanifícios recorda que há 30 anos os campos estavam todos semeados, pelo que não se viam ervas e silvas, como sucede nos terrenos junto à sua horta, o que lhe causa tristeza. No entanto, admite que nem todos têm condições financeiras para os mandar cuidar. "Limpei o terreno ao lado da minha casa há um mês e meio e já está igual."
Filomena, 66 anos, e Felisbelo, 76 anos, estiveram emigrados em França, mas garantem que nunca deixaram de mandar limpar os seus terrenos. Porém, sabem que nem todos podem recorrer a essa solução, porque "as reformas em Portugal não dão para nada". "Paguei 150 euros para um trator andar aqui quatro horas e meia", garante Filomena. Habitada por 42 famílias, quatro das quais com crianças, a Picha vai ser a primeira "aldeia segura" de Pedrógão Grande.
"Temos uma aldeia de pessoas idosas. Se há uma aflição, não conseguem caminhar e tem de haver alguém a dizer aos socorristas onde estão", explica Filomena, que será a responsável pela coordenação do projeto. Apesar de concordar com a ideia, Joaquim olha para o futuro com pessimismo, devido ao envelhecimento da população. "A Picha daqui a 20 anos está morta."
Ortiga
"Estando limpo, o fogo chega e pára"
Helena, 78 anos, e Manuel Pereira, de 88, conhecidos como os "Baía", são os únicos moradores da aldeia de Ortiga, em Castanheira de Pera, onde as máquinas da autarquia estiveram, esta segunda-feira, a limpar as bermas da estrada. "É a primeira vez que andam aqui a cortar", assegura a reformada. "Acho bem, porque com os incêndios [2017] isto estava tudo cheio de eucaliptos e foi uma desgraça", recorda.
Os terrenos à volta arderam todos, tal como o armazém onde Manuel guardava as ferramentas, e só se salvaram as casas. Mesmo assim, os vidros e a porta rebentaram. Depois de ter cancelado o seguro, um ano antes dos incêndios, porque o preço estava sempre a aumentar, diz que agora "o seguro é a cautela e ter tudo limpo".
"Estes eucaliptos são os filhos do incêndio, porque antes era um pinhal", explica Helena. Mas enquanto a reformada tem "fé" que não vai voltar a ocorrer um fogo como o de há cinco anos, o marido não está tão confiante. "Ninguém limpa nada e há muita malandragem. Às vezes, até é por isso".
"Todos os anos, limpo a minha fazenda. Ainda no ano passado gastei três garrafões de gasolina e, ao fim de três semanas, tive de cortar tudo outra vez", assegura Manuel. Este ano, está à espera de que a vegetação fique mais seca. "Estando limpo, o fogo chega e pára, mas é preciso que todos limpem", sublinha. Porém, diz que só há mais um proprietário que cuida dos terrenos.
"Os próprios vizinhos não querem saber, porque moram na vila. Não querem ter trabalho, nem pagar, porque fica muito dispendioso". Com uma reforma inferior a 300 euros, a que soma a de "200 e pouco" da mulher, e com "despesas certas", garante que, com o preço a que está a gasolina, ou limpam os terrenos ou morrem à fome, pois deixaram de ter rendimento com os eucaliptais, que arderam.
Cercal
Veados junto às casas
Na aldeia de Cercal, em Figueiró dos Vinhos, os eucaliptos vão ser substituídos por oliveiras, castanheiros ou medronheiros (na foto), espécies mais resistentes ao fogo. Três das proprietárias dos terrenos que aceitaram a proposta da autarquia, por considerarem que as suas casas vão ficar mais protegidas, temem, contudo, que os veados não deixem as novas árvores vingar. "Tinha o meu quintal vedado, e eles rebentaram com a rede", conta Graciosa, 68 anos.
Natália confirma que os animais de grande porte se aproximam das casas durante a noite à procura de alimentos e mostra duas alfaces comidas. "Por baixo das linhas da REN, plantaram medronheiros e já não há lá nada", acrescenta Fernanda, 66 anos. Recorda o tempo em que todos os moradores tinham "cinco ou seis" cabras, que mantinham os terrenos limpos. "Agora, está tudo abandonado", lamenta Maria, 69 anos.
Fernanda garante que é a última vez que vai mandar limpar os terrenos. "Se, para o ano, os vizinhos não limparem, não gasto mais dinheiro nenhum", assegura. "Se me quiserem levar presa, eu vou. Dão-me dormida e comida", graceja.