Intenção que pretendia criar atrativos para professores em "áreas do país onde a oferta de profissionais possa revelar-se escassa", prevista no Orçamento de 2020, ainda não avançou. Dificuldades em colocar docentes aumentam e há mais horários recusados.
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Maria Manuela Santos, professora da Trofa, concorreu em primeira prioridade para uma escola de Oeiras porque o município tem um plano de alojamento para professores deslocados. Ricardo Ferreira, de Lousada, foi colocado a 600 quilómetros de casa, em Alcoutim, e acabou por denunciar o contrato 40 dias depois. Os dois defendem como fundamental a criação de um subsídio para apoiar os custos de alojamento ou "o ensino estará em risco". A criação de um incentivo à fixação de docentes estava prevista no Orçamento de Estado de 2020, não avançou e desapareceu da proposta para 2021. Hoje o orçamento da Educação é debatido no Parlamento.
A dificuldade de preenchimento de horários, especialmente nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve, começou a sentir-se três semanas após o arranque das aulas. O elevado preço das casas é uma das principais razões para a recusa das colocações que dispararam este ano. O Ministério garante que o trabalho "foi iniciado, está em curso, e será incrementado". Mas, ao JN, admite que "a pandemia exigiu uma concentração de esforços noutras dimensões".
Oeiras tomou a dianteira
O vereador da Educação da Câmara de Lisboa (concelho mais atingido pelas faltas) assume que o custo do alojamento é uma das principais razões para a recusa de horários na capital. Manuel Grilo assegura que estão a procurar espaços para criar "uma espécie de residência partilhada" não só para professores mas também para outros profissionais deslocados como agentes da PSP.
Maria Manuela Santos foi uma das duas docentes que inaugurou, no ano passado, a "casa da Figueirinha", em Oeiras, antes do fecho das escolas. Os professores pagam 150 euros (o apartamento tem dois quartos) por mês para as despesas de luz, gás, água, Internet e televisão. Este ano são cinco os docentes em residências em Oeiras e a autarquia já anunciou a construção de mais duas outras casas.
A professora da Trofa tem 44 anos e 8 de serviço. Depois de ser mãe, não deu aulas durante cinco anos porque não podia ir para longe nem suportar os custos. Agora, só concorre para horários anuais e completos. "Se não forem criados incentivos, os alunos não vão ter aulas. Sei de turmas em Setúbal que ainda não tiveram uma aula de Matemática este ano", garante.
Ricardo Ferreira, de Lousada, também professor de Matemática do 3.º ciclo e Secundário, tem 30 anos. Colocado em agosto em Alcoutim, denunciou o contrato após receber uma proposta de uma empresa de informática no Porto que não se pode dar ao luxo de recusar. Conseguiu a primeira colocação, em 2017, cinco anos após terminar o mestrado. Desde então, acumulou um ano de serviço em substituições. O horário de 16 horas dava-lhe 850 euros por mês, a maioria para pagar a renda e as deslocações ao fim de semana.
"Não pude dizer que não, mas quero voltar", garante, apontando o subsídio e a valorização da carreira como cruciais. "A maioria dos que acabaram comigo o mestrado já desistiram", alerta.
Tanto a Fenprof como a FNE criticam o Orçamento para 2021 por ser "insuficiente" e não dar resposta a problemas que se agravam, como o envelhecimento da classe ou o regime especial de aposentação. "A proposta esquece os professores", critica Mário Nogueira, não entendendo como é que a despesa com pessoal pode descer 0,1% se o Governo reclama haver mais três mil professores este ano.
EM DETALHE
O que estava escrito
"Ponderação da criação de incentivos à aposta na carreira docente em áreas do país e grupos de recrutamento onde a oferta de profissionais possa revelar-se escassa" era uma ação a desenvolver no relatório do OE para 2020, tal como um diagnóstico sobre as necessidades de docentes a 5 a 10 anos.
Aposentações
De acordo com dados de Arlindo Ferreira, especialista em estatísticas da Educação e autor do blogue De AR Lindo, este ano já se aposentaram 1439 docentes, mais do que as previsões para 2020 que apontavam para 1358. Em novembro será superado o número total de aposentados de 2019.
Quase 400 horários ainda por preencher
"Incêndio fenomenal" em Lisboa alastra ao resto do país
Continua a haver alunos sem aulas, a pelo menos uma das disciplinas. De acordo com a análise do dirigente da Federação Nacional de Professores, Vítor Godinho, às contratações de escola estavam na quarta-feira 396 horários por preencher - 42 completos e mais 253 superiores a oito horas letivas, o que significa que não tiveram candidatos ou foram recusados por duas vezes nas reservas de recrutamento nacionais.
A maioria das vagas por preencher é em Lisboa (181), Setúbal (77), Faro (34) e Porto (22). Português, Inglês, Geografia, Física e Química, Matemática (do 3.º Ciclo e Secundário) são as disciplinas mais carentes.
O Ministério da Educação, recorde-se, assumiu que este ano houve um "número anormalmente alto de não aceitações de horários e aumentaram os docentes em mobilidade por doença (mais 1100 este ano, num total superior a 8000) que resultou na saída de mais professores da Grande Lisboa para o Norte do país.
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores (ANDAEP), defende que este ano os horários que não fossem preenchidos na primeira semana deviam passar para as contratações de escola como forma excecional de acelerar o processo. Uma medida "apenas para dar fôlego, já que o incêndio, que é fenomenal em Lisboa, está a alastrar-se a outras regiões". E exige uma estratégia política que passe por incentivos à fixação de docentes mas também pela valorização da carreira e pela vinculação extraordinária nos quadros de quem está há anos no sistema.
Para Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, os incentivos devem ser criados pelas autarquias, à semelhança do que existe para os médicos. A concretização do plano digital, o reforço de assistentes operacionais e obras nas básicas de 2.º e 3.º ciclos são urgentes.